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O que vai acontecer com produto na era pós-ZIRP?
Sobre perspectivas e a nova realidade de produto, no mundo e por aqui

É um consenso na indústria que a área de produto vem passando por mudanças significativas nos últimos tempos. Na última década, produto passou de uma área pouco conhecida para muito glamurosa, com seu pico na última grande onda de valuations, consequência da chamada “era ZIRP” (Zero Interest Rate Phenomenon — fênomeno dos juros zero). Atualmente, com o fim do “juro zero”, vemos produto sofrendo uma forte crise de identidade.
Os “juro zero” só aconteceram de fato nos US, mas acabou influenciando as startups e a realidade de produto aqui no Brasil de tabela. Parte porque o capital chegou por aqui com um bônus cambial enorme, o que favoreceu os valuations, e parte porque as companhias daqui tendem a seguir tendências e benchmarks de lá.
Se perguntar por aí, você vai ouvir de tudo. Desde gente advogando que é o fim de produto e que não deveriam existir PMs, até pessoas pregando que PLG é o único caminho para o sucesso e que são necessárias ainda mais pessoas de produto — ou mais experientes.
A verdade é que muitas empresas estão se dizendo cansadas dos PMs. E como o funding está mais escasso, os times precisam se mostrar mais eficientes e mais focados em construção de valor. Para chegar lá, o que se vê são os times favorecendo quem constrói ao invés de gerentes — “builders over managers”.
O Airbnb foi uma das precursoras do movimento de caça às bruxas dos PMs após uma palestra do Brian Chesky no Config em 2023. No fim das contas nem era essa a intenção dele, mas foi o que ficou marcado após o evento. Sanchan Saxena, ex-Head de Produto da empresa, diz se lembrar de como essa discussão começou muito tempo antes.
A genesis de toda essa discussão no Airbnb veio da sensação de que os PMs gastavam 80% do seu tempo com processos internos — reuniões, descrição de requisitos, reports, 1:1’s, etc. Além disso, era comum a reclamação de que não se havia tempo para inovar ou conversar com clientes por estarem sobrecarregados.
Saxena comenta que essa foi uma tendência forte no mercado inteiro nos últimos dez anos. Pessoas de produto cada vez mais voltadas “para dentro” e se ocupando com reuniões, alinhamentos, comunicações internas ao invés de olhar para o cliente e para o produto.
Para resolver, o Airbnb buscou inspiração na Apple. Empresa que conhecidamente não segue a “escola tradicional de produto” da indústria, e nem por isso faz produtos piores que o resto — pelo contrário. De acordo com o líder de produto, quando se perguntava para alguém no Airbnb com o que a pessoa estava trabalhando, a resposta deveria ser a apresentação de um protótipo. Não uma planilha com várias hipóteses e uma priorização e estimativa de retorno das iniciativas. Esse era um reflexo de que o time de produto estava olhando para soluções de problemas, para entregas e para adição de valor aos clientes e não para dentro. Hoje o Airbnb está aproximando produto de marketing e reequilibrando suas atribuições com o time de design.
Você pode concordar ou não com essa abordagem particular, mas esse é só mais um reflexo do fato de que a cadeira de produto está em cheque. Muitas empresas estão olhando para a área como um centro de custos e uma possível “gordura pra queimar”.
Contexto brasileiro
Como em todas as tendências de mercado, o Brasil demorou mais para entender a função de produto e formar pessoas para ocuparem essas cadeiras. O resultado foi que quando o mercado se aqueceu, faltou gente. A abundância de recursos e escassez de talento fez as vagas e os salários se multiplicarem em um curto intervalo de tempo.
Tudo isso aliado ao fato de produto ser uma carreira “não técnica” em tecnologia, gerou uma enxurrada de novas pessoas migrando para produto. Muitas foram promovidas para cargos de liderança da noite para o dia, sem muita experiência prévia ou sequer trabalhado com software no passado.
Com o fim da festa do ZIRP, precisou-se de um tipo de profissional de produto raro no mercado brasileiro. O que as empresas precisavam eram pessoas que tivessem construído produtos no passado, navegado ambientes de escassez e que soubessem virar a atenção para o que importava no momento: construir software, resolver problemas e fazer dinheiro. O que se encontrava aos montes por aqui eram experts em aplicação de frameworks, escrita de documentação interna e gerenciamento de rotinas.
A sensação é de que ainda faltam boas “escolas” de produto no Brasil para formar os profissionais que precisamos. Quando eu digo isso não estou querendo desmerecer os bootcamps e cursos nacionais — inclusive já comprei e recomendei o PM3 para muitas pessoas do time no passado. Mas ainda temos que ver a próxima leva de founders e PMs que tenham vivido isso em boas empresas orientadas a produto polinizando esse aprendizado para mais organizações.
Um exemplo disso é o próprio Nubank, que é uma das maiores referências em produto no Brasil e desde sempre recorreu a talentos internacionais para liderar a área na companhia.
Posso ter soado um pouco pessimista na escrita, mas acredito que esse movimento esteja acontecendo aos poucos no Brasil. O lado bom é que assim que se começa esse movimento geracional de formação de boas pessoas de produto. O lado ruim é que é uma questão de tempo, e demora um pouco mais do que todos gostariam...
Perspectivas
Minha aposta é que ainda veremos reestruturações e mudanças na organização dos times por um tempo. Não acredito que teremos uma resposta universal tão cedo, mas com certeza veremos boas práticas e tendências puxadas por empresas com boa cultura de produtos sendo adotadas como alternativas. Exemplos interessantes para ficar de olho são empresas como Airbnb, Linear, 37signals e The Browser Company — todas com abordagens não ortodoxas de produto.
Dado todo esse contexto, não por acaso percebo um interesse muito grande na maneira como fazemos produto na 37signals e em nosso método, o Shape Up. Nossa maneira de conduzir times pequenos, entregar produtos de qualidade e de maneira tão eficiente intriga muita gente. O maior aprendizado de minha experiência aqui é que as coisas são simples, até que nós as tornamos complicadas. Isso parece mais verdade ainda na área de produto.
Outra de minhas previsões para o futuro de produto são times mais horizontais. PMs menos especializados, que estarão ocupando posições mais estratégicas — e mais escassas — dentro das organizações. Muitas das atribuições e funções atuais de produto serão redistribuídas para outras pessoas nas squads como designers ou lideranças técnicas. O time de produto passará a ficar encarregado de pensar e atuar no direcionamento estratégico e sucesso do produto.
E você, como vê o desenrolar dessa novela? Não deixe de comentar com opiniões e perspectivas distintas, vou adorar ouvi-las.
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