Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 19 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

O ano é 2023 e pela primeira vez na vida eu tirei um tempo para não fazer nada.
Depois da saída da NG, pensei que o caminho era empreender de novo. Mas achei que essa fosse a resposta óbvia, não necessariamente a certa. Então resolvi parar e pensar.
Como ao longo da minha vida eu só tirava férias para viajar – geralmente eu saía de férias no dia da viagem e no dia seguinte da volta já estava trabalhando de novo – , eu nunca tinha ficado muito tempo parado. Parecia uma boa hora para experimentar.
Tirei um sabático de alguns meses. Coloquei na cabeça que lutaria contra a vontade de fazer coisas produtivas ou úteis por um tempo e depois começaria a explorar o que estava acontecendo no mundo ao meu redor.
O não fazer nada durou um mês. Foi ótimo, passei muito tempo em casa, lendo coisas aleatórias, jogando video game e indo à academia. Esse primeiro mês passou voando, mas logo veio a sensação de que faltava alguma coisa.
Resolvi começar a conversar com as pessoas da minha rede para ganhar novas perspectivas. Marquei inúmeros cafés e tive conversas muito legais com várias das pessoas incríveis já citadas aqui em outros capítulos. E aí que vem o grande plot twist.
Um dos papos foi com o Rafael Clemente, fundador da Elo Group e que teve um papel importante na história da Touts. Marcamos de conversar e ele me recomendou ouvir um episódio do podcast do Tim Ferris antes do papo.
Achei uma premissa curiosa, mas ouvi. Era uma entrevista de três horas com um médico chamado Peter Attia onde ele falava sobre longevidade. O podcast é super interessante, mas até aí nada demais.
Durante nossa conversa, o Rafa me contou que ele estava olhando muito para healthtechs e a chamada “silver economy”. Conversamos sobre várias ideias e oportunidades. Foi ótimo como sempre.
Nada diferente das outras conversas que tive nessa época. Até que antes de ir embora, ele me sugeriu ler o livro do Petter Attia, chamado Outlive.
Como eu estava num sabático sem fazer muita coisa e tinha gostado da entrevista que escutei, peguei o livro pra ler.
Um dos pontos abordados no livro é sobre fazer acompanhamento da sua saúde, independente de você estar doente ou não. O autor usa a comparação de um médico com uma oficina mecânica: as pessoas levam o carro na oficina, consertam e torcem para nunca mais precisar voltar lá. E fazem a mesma coisa com os médicos, mas não deveria ser assim.
Enfim, de novo por estar desocupado, fui pesquisar mais sobre check-ups depois de terminar o livro. E aí que a doideira começa…
Eu nunca tinha feito um check-up de verdade. No máximo pedia pra uma amiga da minha mãe me receitar um exame de sangue “completão” e olhava as taxas para ver se algo parecia errado. Muito tosco, eu sei.
Decidi fazer direito dessa vez e fui numa clínica especializada em check-ups para executivos. Paguei muito mais do que eu achava sensato – em pouco tempo se provou barato — e fiz uma bateria de exames em uma tarde.
Bom, o resumo da ópera é: no auge dos meus 31 anos e completamente por acaso descobri um câncer na tireóide!
Era quase uma tireóide num câncer, na verdade. Um filho da puta de um tumor de 4cm na minha garganta!
Recebi a carta com o diagnóstico no dia 8 de dezembro de 2023 e operei um mês depois no dia 10 de janeiro de 2024.
Fiquei fazendo acompanhamento nos meses seguintes e hoje estou 100% tratado e bem. Segundo meu médico, hoje tenho menos de 1% de chance de morrer disso e, morando no Rio de Janeiro, eu deveria me preocupar com muitas outras coisas antes disso.
Ou seja, não se preocupe porque pretendo continuar por aqui por muitos anos ainda.
Passado o grande susto, o que fica são os vários momentos de reflexão. Entre receber o diagnóstico e saber que ficaria tudo bem, vários pensamentos inundam sua cabeça.
Acho que todo mundo meio que sabe que a vida é efêmera, mas poucas pessoas têm a oportunidade de sentir isso.
Não desejo isso para ninguém, mas é uma experiência transformadora.
Nos dias seguintes ao diagnóstico, refleti muito e me peguei recorrendo ao estoicismo. A filosofia que me tirou do burnout em 2017 me ajudaria a seguir em frente mais uma vez.
Encarei a doença como algo que me fugia ao controle. Acontece, não tem o que fazer. Assim como poderia acontecer com qualquer um.
Os estóicos pregam que não temos controle sobre as circunstâncias externas de nossa vida, mas sempre podemos escolher como reagimos a elas.
É difícil explicar o quão poderosa uma ideia tão simples pode ser. Mas essa perspectiva muda tudo.
Pensei que eu poderia lidar com isso me sentindo uma vítima e questionando porque a vida foi tão injusta comigo, ou encarar da melhor forma possível. Optei pela segunda opção.
Veja bem, era uma merda, eu não queria passar por aquilo e naquele momento eu não sabia como seria minha vida dali pra frente, mas não tinha o que fazer.
Mantive a tranquilidade enfrentando um problema de cada vez e sabendo que não seria fácil, mas tudo bem. Eu já tinha feito coisas difíceis na vida, essa seria só mais uma delas.
Eu estava tão tranquilo que fui acordado para a sala de cirurgia. Fiquei conversando com os médicos enquanto marcavam a área do corte no meu pescoço e me lembro de inalar o gás para apagar enquanto a anestesia já entrava na minhas veias.
No fim, ganhei uma cicatriz nova no pescoço que cumpre um papel especial. É a tatuagem que sempre quis fazer e nunca fiz. Quando olho pra essa cicatriz vejo “memento mori” e me lembro da efemeridade da vida.
“Memento mori” é uma expressão em latim que quer dizer “lembre-se da morte” e por mais que possa soar macabro, tem um significado positivo. Ao se lembrar da morte, você se lembra da vida.
É comum deixarmos a vida acontecer e não darmos o devido valor a ela. Sempre assumimos que vamos ter o próximo dia, mês ou ano. Mas nem sempre isso vai ser verdade e a pior coisa que você pode fazer é demorar para perceber.

E pra você ver como a vida é curiosa: ao longo desse processo todo, eu estava vivendo um dos pontos mais altos da minha carreira.
De maneira despretensiosa e inesperada eu tinha assumido como Country Manager da 37signals.
Sim, aquela empresa que já citei em vários outros capítulos, que escreveu livros que me inspiraram, que criaram a linguagem de programação que usamos para construir a Touts e a INK e que era uma das maiores referências em software do planeta.
Durante o sabático, respondi vi um Tweet do Jason Fried, fundador da 37signals, falando sobre expansão internacional. Eu não considerava trabalhar para ninguém naquele momento. Eles eram uma exceção. Achei o e-mail do Jason em um post de um blog antigo e mandei uma mensagem me apresentando e dizendo que queria trabalhar com eles.
Funcionou.
A princípio era uma vaga de 6 meses, mas passei um ano liderando a expansão internacional do Basecamp e tive a oportunidade de ir para Atlanta em um dos meetups da empresa conhecer o time inteiro e apresentar os resultados para todo mundo.
Trabalhar lá foi como uma criança ir para a Disney pela primeira vez. A empresa é a manifestação de quase tudo que acredito como modelo de gestão, organização, time e cultura. É um time pequeno de 50 e poucas pessoas, totalmente remoto e espalhado por 17 países, que se comunica de maneira majoritariamente assíncrona e desenvolve produtos incríveis com uma qualidade fora de série em uma escala absurda (vários milhões de usuários ativos). Ah, e são extremamente lucrativos há mais de 20 anos!
É uma empresa completamente independente, tanto nas ideias como na forma de operar. Não tem investidores, board ou comitês tomando decisões. Os fundadores Jason e David são líderes de pensamento na indústria, já fizeram algumas centenas de milhões de dólares em fortuna pessoal e ainda tocam o dia a dia do negócio guiados pelo bom senso e pé no chão.
Não vão caber palavras aqui para explicar a experiência toda, mas já escrevi e publiquei inúmeros textos sobre como foi essa jornada em detalhes. O que posso dizer é que me tornei uma esponja e aprendi tudo que podia durante meu tempo lá. E valeu cada minuto!
Um dos subprodutos dessa experiência foi começar a escrever e criar conteúdo com muito mais frequência. Inclusive, foi assim que a semente do OFF THE GRID foi plantada e deu origem a essa série de textos.
No fim de 2024, me vi na posição de pensar no futuro de novo. Dessa vez não tive dúvidas: empreender de novo era a resposta óbvia e certa.
Freud já dizia que, olhando para trás, os anos de luta são lembrados como os mais bonitos.
As épocas em que fui mais feliz foram empreendendo. Foi passando perrengue junto com pessoas que eu admiro e amo para construir algo que valesse a pena.
Empreender é o que me faz sentir vivo. É o que me faz querer ser melhor todos os dias. Me faz aprender coisas novas. Me faz me sentir bem por fazer o impossível. Mas me faz também me sentir um idiota todos os dias. Me faz conhecer pessoas incríveis. E me faz ajudar o mundo, ou pelo menos um pedacinho dele, a ser um lugar melhor.
Ao longo da vida eu tentei responder a pergunta do porque eu empreendia. Hoje são tantas razões que eu nem me importo mais com a resposta.
Pensei em várias formas de finalizar essa série de textos e trazer uma coletânea de aprendizados. Mas no fim das contas, o melhor que eu poderia fazer eu já fiz. Tentei relatar minha trajetória da maneira mais transparente e real possível.
Não acredito que exista um caminho único ou uma resposta certa e não tenho a mínima pretensão de dizer o que outra pessoa deveria fazer para “dar certo”. Mas espero que esses relatos possam ser úteis e servir de inspiração ou aprendizado para as próximas gerações de empreendedores.
Com amor,
- Lucas Bittencourt