Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 18 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

Depois de quase 3 anos à frente da Reserva INK e quase 13 anos depois de ter conhecido o Arturo, tomei a decisão de deixar o negócio.
Escrevendo assim parece até uma decisão fácil, mas foi uma das mais difíceis que já tomei.
Eu me enxergava numa situação onde tinha encontrado um plateau de crescimento. Não que eu não pudesse aprender mais no dia a dia, mas eu já não me sentia mais tão desafiado.
Nos anos anteriores, tive o privilégio de aprender e me desenvolver muito como líder de produto. Tive a oportunidade de montar times do zero, adaptá-los, desenvolver a estratégia do produto e transformar muitas ideias, intuições e visões da minha cabeça em realidade.
Só quem viveu essas coisas na pele em tão pouco tempo sabe o valor disso.
Mas nos últimos meses parecia que tinha esbarrado em um teto.
Minha vida eram acompanhamentos, 1:1 e reuniões sem fim. A estratégia de produto estava minimamente redonda e não conseguíamos acelerar muito mais do que a velocidade que já crescíamos.
A maior parte do desafio era brigar por mais orçamento todo trimestre e escalar as atividades de growth que tinham se provado vitoriosas — na verdade, a maior parte do desafio era ser resiliente com as frustrações de ver que o negócio poderia crescer mais rápido, mas existiam limitações que nos fugiam ao controle.
Trazendo de volta um personagem antigo da história, Luis Felipe Carvalho, que havia sido meu orientador da PUC e se tornou um mentor ao longo dos anos, me chamou para bater um papo. De tempos em tempos a gente conversava e nos atualizávamos sobre o que estavamos construindo.
Em 2021 o Luis me chamou para me contar sobre uma nova empresa que ele estava montando, que seria uma spin off de uma startup que ele havia fundado e acabara de ser adquirida pela Stone.
A nova empresa seria a NG.CASH, criada a partir do NeagleBank, projeto encabeçado por Mario Augusto Sá que criou o banco digital do canal do YouTube Neagle, da dupla Eagle e Neox, também sócios da empresa.

Neaglebank foi como tudo começou
Ao perceber uma demanda reprimida gigantesca pela solução, a tese cresceu para ser o banco da Geração Z.
A Geração Z é composta por jovens nascidos entre 1996 e 2010. É a primeira geração nativa digital e que por isso possui hábitos muito diferentes das demais.
Em relação a dinheiro, é uma população que passa a maior parte do seu tempo no ambiente digital, mas não tinha acesso a moeda eletrônica, porque não era um segmento importante para os bancos tradicionais.
Até que dois Youtubers apareceram com a solução, uma conta digital e um cartão de crédito pré-pago para todas as idades.
No lançamento do Neaglebank, centenas de milhares de adolescentes se inscreveram e criaram suas contas bancárias. E o mais impressionante é que o custo de aquisição desses clientes era praticamente zero.
O Luis queria que eu fizesse parte do founding team da NG.CASH, mas lá em 2021 eu ainda estava muito comprometido com a Reserva INK.
Apesar de gostar da tese, ter conversado com os sócios e conhecido uma parte do time da startup, não fazia sentido pra mim fazer esse movimento naquele momento.
Ter recebido uma oferta nesse momento foi importante por me fazer pensar muito na minha posição na INK e no meu custo de oportunidade.
Em dado momento eu cheguei a quase ter certeza que sairia, até ter uma conversa com o Arturo que mudou tudo.
Arturo achava que eu ainda poderia agregar muito ao negócio e ficou incomodado que eu sairia por tão pouco. Em dado momento ele me perguntou “se você está incomodado com o custo de oportunidade, você já pensou em que valor faria você ficar?”.
Refleti um pouco e respondi: “o dobro do meu equity e do meu salário atual”.
Ele ficou pensativo e logo disse que poderia resolver isso.
O equity ele aceitou na mesma hora, porque só dependia dele, e o salário iria brigar para aumentarmos na renovação do orçamento – demorou alguns meses, mas rolou.
Nesse momento eu passei a ter 40% de equity, que era traduzido em participação no earn-out, e dobrei meu salário. Foi ótimo porque conseguimos aumentar também o salário do Arturo e do Cahue na mesma negociação com a Reserva.
Cerca de um ano depois desse episódio, o Luis voltou a me procurar e me sondar para o time da NG.CASH mais uma vez. Só que agora com um discurso bem diferente.
A empresa estava crescendo estupidamente rápido, tinha um desafio enorme pela frente e acabado de captar uma rodada Seed recorde de 10 milhões de dólares liderada pela a16z e Monashees, fundos renomados de Venture Capital.

Se eu já tinha gostado do time e da tese antes a ponto de ficar balançado, agora parecia que um foguete estava prestes a ser lançado na minha frente, e havia um lugar para mim nessa viagem. Fora que também parecia um raio caindo duas vezes no mesmo lugar, e geralmente não se tem uma segunda chances dessas!
Depois de novas rodadas de conversas com o time, entender os desafios, qual poderia ser meu papel e alguma negociação, aceitei embarcar na NG.CASH para liderar o time de Produto.
Dessa vez com uma proposta que parecia mais interessante financeiramente, onde eu ganharia menos salário, mas teria um upside em equity que poderia compensar pela parte do earn-out que eu deixaria pra trás ao sair da INK em alguns anos.
Para mim, era a oportunidade de romper o teto de crescimento e aprendizado vivendo uma experiência que poderia ser ainda mais enriquecedora para minha história. Uma indústria nova, com pessoas novas, apoiada por fundos conceituados e um negócio feito pra crescer rápido.
Foi muito bom conhecer de perto o que era uma empresa totalmente “VC track” depois de tantos anos bootstrap e dentro de um grupo maior.
Quando entrei na NG, se não me engano a empresa tinha sido lançada há pouco menos de 1 ano e tinha 500 mil clientes. Praticamente todos eram jovens de 13 a 24 anos e aquela era sua primeira experiência bancária.
Lembro de conversar com meu irmão sobre meu processo de tomada de decisão. Depois das provocações dele falei algo nas linhas de: “nós vendemos a Touts para construir algo grande e provar que somos bons, essa é a chance de continuar fazendo isso em outra escala” e “não foi pela grana que vendemos a Touts, então não faz sentido se pautar somente nisso”.
No fim das contas eu acabei abrindo mão de toda minha parte variável no earn-out da INK e receberia 40% da parte fixa do contrato da venda, que seria paga no fim dos 5 anos de contrato.
Hoje eu acho que negociei mal minha saída e deveria ter lutado por mais dado o risco que assumi ao longo dos anos e minha participação na construção do negócio. Mas faz parte, mais um aprendizado em meio a tantos outros…
Me comprometi a fazer uma passagem de bastão na INK de pelo menos 45 dias ao assinar com a NG. Por isso, eu saí de um trabalho na sexta-feira e na segunda-feira seguinte já estava começando em outro.
Essa mudança foi muito marcante pra mim, faziam mais de 10 anos que eu trabalhava no mesmo lugar e essencialmente no meu negócio com pessoas que eu conhecia ou tinha escolhido.
Minha primeira reunião, logo na segunda de manhã, foi sobre o projeto mais importante da empresa, uma migração onde deixariamos de usar um provedor de Banking as a Service e passaríamos a usar nossa própria licença de IP e mais de 7 fornecedores diferentes.
Nesse call com a Mastercard tinham umas 16 pessoas de 5 empresas diferentes. E eu não entendia 1 a cada 5 palavras que eram ditas.
Demorei cerca de 20 minutos pra pegar o ritmo da conversa e começar a entender o papel de cada fornecedor. Para entender o que cada um faria e como tudo se encaixaria foram algumas semanas.
Nas primeiras reuniões eu só anotava o máximo que podia pra procurar no Google depois e saber responder algo com uma citação caso me perguntassem.
Passei um ano que costumo dizer que foi um ano de cachorro na NG. Foi um ano de muito trabalho e que valeu por sete.
Quando cheguei, o time de produto era composto por dois estagiário, o Bruno e o João, e um deles estava mudando de área para se tornar dev. Os desenvolvedores todos trabalhavam basicamente no mesmo projeto, que era a migração, e não se tinha cultura de produto.
Nesse tempo implementei junto com o CTO squads multidisciplinares e criarmos uma cultura de times eficientes e que funcionassem de maneira independente para darmos mais agilidade ao desenvolvimento — aqui o aprendizado de ter errado várias vezes com isso na INK foi muito útil.
Fora isso, entregamos vários projetos como: um novo site, uma nova plataforma de backoffice, a integração para virarmos emissores diretos da Mastercard, a participação no Pix junto ao Bacen, compra e venda de criptomoedas no app, inúmeras melhorias e o mais importante, a tal da migração.

Momentos de tensão na madrugada da migração
A migração foi um projeto de meses, que tinha data para acontecer porque o contrato com o provedor de BaaS simplesmente acabaria.
Foi uma loucura a parte, cheia de histórias de noites viradas, devs com dor de barriga, edge cases intermináveis que descobríamos a todo momento, muito estresse e perrengue.
No final acabou dando certo, mas o app só normalizou para todos os usuários algumas semanas depois.
Uma das maiores dificuldades que eu sentia na cadeira de produto era a falta de clareza em relação a estratégia da empresa e as repentinas mudanças de direção. O que se traduzia em mudanças constantes na priorização e no Roadmap.
Eu sei como são empresas early stage, e já tinha passado muitos anos tocando produto em contextos assim. Mas o que eu não entendia muito bem era como ler e navegar as dinâmicas sociais por trás de algumas decisões.
Passei muito tempo brigando para desenharmos uma estratégia de negócio ou de produto coerente para podermos desdobrar como direcionamento e termos mais foco no que fazer dali pra frente.
Dissequei algumas vezes os cases de Nubank e Cash App para os executivos na finalidade de entendermos qual poderia ser o nosso caminho.
Demorei um bocado para ter algum sucesso e a única pessoa que parecia falar a minha língua era o CTO, Lucas Alves. Em um esforço conjunto, conseguimos convencer o restante dos C-levels da importância de uma estratégia, que foi levada para o board.
Eu estava em São Paulo quando rolou essa reunião e me lembro do Mario contar que a estratégia que desenhamos tinha feito muito sucesso e todos adoraram. Naquele momento tive uma sensação de missão cumprida enorme e de que todo o esforço valeu a pena.

Apresentação do Case do Cash App em algum All Hands
Alguns dias depois rolou uma avaliação de desempenho e recebi um feedback super positivo, reforçando vários pontos bacanas como minha visão de produto, liderança com o time, capacidade de entender nossos usuários e de ter pé no chão.
Ali eu estava voando! Ou pelo menos pensei que estava…
Corta para algumas semanas mais pra frente, recebo uma ligação com a notícia de que eu estava sendo desligado da empresa.
Para ser sincero, até hoje eu não sei muito bem o motivo que levou a minha demissão. A justificativa na hora foi o desalinhamento entre tech e produto. Na minha cabeça essa conta não fechava, ainda mais depois dos sinais que tinha recebido.
Em retrospecto, eu acho que foi por ter comprado muitas brigas em várias tomadas de decisão. Eu entrei lá pra ser sócio, e agi como tal. No fim acho que o que eles queriam era um líder de produto que atuasse mais como funcionário, sem questionar tanto. E não tem demérito nenhum nisso, só não é meu estilo.
Eu fiquei puto por alguns dias. Não tanto por ter sido demitido, isso acontece, e essa possibilidade sempre esteve na mesa.
Eu fiquei puto pelo jeito como aconteceu. Logo depois da ligação tiraram todos os meus acessos e eu não pude nem conversar com o time.
Fiquei me sentindo como um estagiário ou alguém que não merecesse o mínimo de confiança.
Acho que depois de passar tantos anos tocando meu próprio negócio, eu só sei operar de um jeito: como dono. Provavelmente a frustração veio porque eu transferi esse senso de pertencimento para uma empresa que não era minha.
Na minha cabeça, todos os outros sócios do negócio eram meus sócios também e o que mais mexeu comigo foi que eu jamais trataria um sócio da maneira como me trataram.
Para dar mérito onde ele é devido, foram muito legais comigo ao oferecerem 3 meses de salário como rescisão, o que não estava previamente acordado em contrato algum.
Enfim, depois de alguns dias a frustração passou e, pela primeira vez na vida adulta, me vi sem ter o que fazer.
As primeiras semanas foram bem estranhas pelo corte abrupto na rotina de trabalhar muitas horas por dia para nenhuma. Mas acabou sendo a melhor coisa que me aconteceu.
Sem demagogia.
Ser demitido me fez tirar um sábatico de alguns meses que literalmente salvou a minha vida!
Mas para saber qual foi o maior plot twist dessa história toda, só lendo o próximo (e último) capítulo dessa jornada…