Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 17 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

O ano é 2020, lançamos a INK pro mundo e logo na sequência tivemos que lidar com as incertezas e caos da pandemia.
Passadas as primeiras turbulências, conseguimos colocar um produto questionável na rua e nos safar com isso.
Meses depois, com todos os nossos planos indo por água abaixo, já tínhamos aberto a plataforma para quem quisesse e tínhamos os primeiros mil usuários cadastrados e usando o produto.
Falando assim parece ótimo, mas todo mundo só usava durante o período gratuito e nossa taxa de conversão do trial (período de testes) era baixíssima.
O pior era que a gente sabia os problemas da plataforma, mas simplesmente não tinha capacidade de resolver na velocidade que gostaríamos com somente um desenvolvedor.
Por volta de Agosto de 2020 e já frustrados vendo o produto avançar lentamente por meses, conseguimos com muita luta liberar alguma parte do nosso orçamento junto com a Reserva para fazer as primeiras contratações.
De acordo com nosso business plan, nesse estágio o time já teria 14 pessoas, mas éramos somente 4: Arturo, Cahue, eu e Luiza, que era gerente dos quiosques e iria assumir essa função nas novas lojas físicas, mas acabou migrando para ajudar no site com a pandemia.
A princípio teríamos grana para contratar um desenvolvedor pleno ou júnior com alguma experiência.
Como já sabíamos que contratar desenvolvedor seria uma tarefa difícil, recorremos a indicações e a divulgar a vaga para nossa rede.
Também tínhamos uma preocupação grande em manter a cultura em que acreditávamos, e geralmente as primeiras contratações são as mais importantes para ditar o tom do futuro da companhia.
Anunciamos a vaga o máximo que conseguimos e recebemos várias aplicações.
Para nossa sorte, tivemos vários candidatos muito bacanas, mas nenhum com a combinação de familiaridade com nosso stack, experiência e pretensão salarial que pudéssemos pagar.
Nesse momento tomamos uma decisão ousada que deu bastante certo: contratamos 2 devs bastante juniores ao invés de 1 pleno.
Nossa intuição nos dizia que faria mais sentido contratar duas pessoas sem experiência, mas super alinhados com o que acreditávamos e dar espaço e ferramentas para que aprendessem as habilidades técnicas necessárias.
Com isso, trouxemos nossos dois primeiros engenheiros para o time, Lucas Dias e José Sobral.
O Lucas Dias tinha estudado na mesma faculdade que o Cahue no Vale do Silício, então sabíamos que era capaz de aprender o que fosse necessário. A maior motivação dele era fazer parte de uma startup começando para aprender com os erros dos outros quando fosse fazer a sua própria, algo que nos identificamos muito. Uma vantagem era que ele era novo, ainda morava com os pais e não estava tão apegado ao salário, então conseguíamos pagar.
Já o Sobral vinha uma realidade completamente diferente, estudou em escola pública a vida inteira, fez engenharia na UFRJ e aprendeu a programar trabalhando em laboratórios da faculdade. Ele se inscreveu na vaga por acaso através de um e-mail que enviamos para uma lista da UFRJ. Tanto sua aplicação quanto sua entrevista foram tão impactantes que demos um jeito de fazer uma proposta pra ele. A garra, sagacidade e determinação daquele cara eram inspiradoras, parecia óbvio que se déssemos uma oportunidade ele iria agarrar. E não deu outra.
O trade off entre experiência e alinhamento tinha consequências óbvias na velocidade inicial, mas o ambiente que isso nos permitiu criar, o senso de pertencimento e a cultura de troca, aprendizado e transparência que emergiu do time inicial mais do que compensou por isso.

Nossa sala no novo escritório da Reserva, em Botafogo
Mais uma vez lá estávamos nós usando as limitações a nosso favor.
Nesse caso eram limitações de orçamento, que não podíamos controlar, e nos impedia de contratar pessoas experientes e mais caras.
O caminho foi contratar pessoas com pouca ou nenhuma experiência, mas que estavam alinhadas com nossa forma de pensar, e treiná-las para crescerem junto com a companhia. E assim, por muito tempo, fizemos todas as contratações da INK.
Com o time começando a se formar e o produto dando mais resultado, fomos galgando nosso espaço dentro do grupo e as duras penas pleiteamos mais orçamento, o que nos permitia contratar mais e crescer mais.
Falando assim pode parecer que éramos loucos, só pensávamos em grana e queríamos todo o dinheiro do mundo. Mas se você leu o restante da história já deve ter percebido que sempre fomos muito chatos com dinheiro. Provavelmente tem mais chance de errarmos por querer dinheiro de menos do que demais.
No fim das contas, o orçamento era um dos maiores inputs variáveis que ditaria o quanto a empresa poderia crescer. Até sermos adquiridos, se a empresa crescesse e gerando caixa, sabíamos que poderíamos sempre investir e crescer mais. Só que agora não funcionava mais assim…
De qualquer forma, a maior parte da frustração dessa época vinha dos ciclos longos de tomada de decisão.
O orçamento era feito anualmente e atualizado trimestralmente. O que faz muito sentido para uma empresa do tamanho da Reserva, mas muito pouco para uma do tamanho da INK, que era rodeada de muito mais incerteza e precisava de muito mais agilidade.
Se achávamos que não dava pra piorar, tudo ficou ainda mais engessado depois que a Reserva foi adquirida pela Arezzo, uma empresa consideravelmente maior e listada na bolsa.
Sabe todos os processos e ciclos lentos que eu achava ruim? Pega isso e multiplica por três. Depois disso descobri que na verdade a Reserva era até bem ágil!
Desde 2018 eu já vinha me especializando em gestão de produto. Mas foi só a partir da metade de 2020, quando começamos a contratar, que realmente fui aprender o que era montar um time e gerenciar equipes construindo um produto de tecnologia.

Apresentando alguma funcionalidade nova da INK
O ano seguinte foi um dos de aprendizado mais rápido da minha carreira e me forjaram como líder de produto.
Os primeiros dilemas que passamos nesse sentido foram sobre divisão e especialização dos times.
Como a gente não tinha muita experiência, o jeito foi, como sempre, estudar e conversar com gente mais inteligente que nós que já tinha passado por isso. E isso eu fiz muito.
A conclusão foi que as primeiras squads seriam um time de Aquisição e outro de Retenção.
A Luiza, que já trabalhava com a gente desde a Touts e estava ajudando no atendimento do site, migraria para produto e seria a primeira product manager do time.
Assim como em tecnologia, priorizamos alguém alinhado que pudesse aprender as hard skills junto com a gente. E ela já entendia do negócio como ninguém.
A Luiza sempre nos surpreendeu pela sua obstinação e capacidade de aprendizado em qualquer assunto, então foi uma aposta fácil e que se pagou rápido.
Passamos por várias fases e estruturas de times diferentes em relativamente pouco tempo. E em cada momento precisávamos de uma organização diferente.
Durante bastante tempo eu me senti culpado e como uma fraude por não ter a resposta certa e precisarmos fazer adaptações constantes no time. Mas hoje percebo que era justamente disso que a empresa precisava.
Por estarmos nos movendo tão rápido, não havia estrutura prévia que fosse a resposta para o futuro próximo. A resposta estava justamente nas mudanças.
O suprassumo da gestão de produto era o modelo Spotify e naturalmente tentávamos replicá-lo.
Acho que as coisas só começaram a dar certo quando entendemos que deveríamos adaptá-lo para nossa realidade.
Não muito tempo depois vi uma palestra de um dos autores do famoso artigo sobre o modelo Spotify dizendo que nem o Spotify operava mais daquela maneira e que era inútil tentar copiá-los cegamente. Isso também deu um certo alívio.
Um livro que me ajudou a enxergar melhor tudo isso e guiou muitas das decisões em relação à estrutura organizacional dos times de produto foi o Team Topologies, que quem me indicou foi a Julie, esposa do Arturo.
Claro que organizar os times era só uma parte do desafio.
Ao meu ver, minha maior contribuição ao longo dos anos foi guiar o produto e a empresa na direção correta.
Isso se traduziu na estratégia da empresa, no roadmap do produto e no acompanhamento e gestão dos OKRs e dos times ao longo dos anos.
Mais devagar do que gostaríamos, mas em pouco tempo saímos de um produto vergonhoso para algo robusto, que fazia as pessoas ganharem dinheiro da verdade e construírem seus negócios na internet.

Saímos da churrasqueira para esse centro de distribuição
Ao entender cada vez melhor nossos clientes e como poderíamos ajudá-los a ter sucesso, desenvolvemos soluções como as integrações com ferramentas de anúncio, personalização da própria loja, domínios próprios e um Dashboard integrado para tomar conta do negócio.
Fora as várias outras implementações que não apareciam para os clientes finais como sistemas internos de produção e da fábrica, meios de pagamento automatizados e integração com parceiros logísticos.
Mas a iniciativa de maior sucesso e que mudou completamente o jogo foi o que chamamos de Projeto Órbita.
Tudo começou com um simples experimento que o Juan, estagiário de Growth, tocou e se tornou o maior motor de crescimento da empresa.
Em uma pesquisa com os melhores vendedores, percebemos uma correlação forte entre lojas que vendiam muito e sua capacidade de fazer tráfego pago.
O próximo passo lógico foi conversar com as demais lojas para entender o que as impedia de fazer o mesmo.
Assim, mapeamos dois problemas: 1) as pessoas não sabiam fazer tráfego pago e 2) elas tinham medo de perder dinheiro.
Nós já sabíamos que era uma boa ideia ensinar as pessoas a fazerem tráfego pago e passamos bastante tempo tentando fazer isso.
Até que, conversando com um dos lojistas, descobrimos que ele terceirizava a gestão do tráfego pago da sua loja. Ou seja, ele contratava alguém para fazer isso por ele.
Foi aí que tudo clicou e veio a ideia de, ao invés de ensinarmos, era melhor conectar essas lojas com quem já sabia fazer o tráfego para acelerar os resultados.
Foi assim que criamos um programa de aceleração de lojas, o Projeto Órbita. Nós conectamos um gestor de tráfego terceirizado nas lojas das pessoas e a INK bancaria tanto esse gestor quanto um valor mensal do investimento em tráfego por três meses.
Depois disso e com a loja faturando muito mais e tendo retorno, os próprios lojistas conseguiriam continuar dando escala para seus negócios.
Começamos fazendo isso do jeito menos escalável possível, a gente criava uma conta de anúncios nova dentro do Gerenciador de Negócios da INK, adicionava o dono da loja lá e o gestor usava essa conta para fazer os anúncios. Tudo pra facilitar os fluxos financeiros internos e conseguir “investir dinheiro nas lojas”.
Na nossa cabeça isso seria temporário, mas ficamos fazendo assim por alguns anos — e suspeito que seja assim até hoje.
Contar essa história em alguns poucos parágrafos não faz jus ao processo errático que foi desvendar o motor de crescimento do negócio. E por mais que eu queira me falta memória e capacidade para condensar tantas experiências em texto.
Dito isso, após desvendarmos cada um desses mistérios, tínhamos uma empresa que crescia constantemente com cultura, estratégia, time e crescimento resolvidos.
O resultado foi que a Reserva INK triplicou ou duplicou ano após ano.
Os maiores gargalos que tínhamos eram de infraestrutura e maquinário na produção — outra briga que tínhamos que comprar constantemente com a Reserva.
Enquanto escrevo esse texto, tenho orgulho imenso de poder dizer que a Reserva INK entregou as metas ousadas do earn-out e conseguiu “crescer como uma startup do Vale do Silício”
Mais bacana do que fazer o T2D3 (triple, triple, double, double, double) foi ver a empresa ajudar dezenas de milhares de pessoas a venderem centenas de milhões de reais em produtos na internet.
Isso se traduz em um monte de famílias que são impactadas positivamente todos os dias pelo negócio que construímos.
O mais impressionante é pensar em como um monte de moleques conseguiu tirar isso do chão e chegar tão longe.
Apesar de todos os perrengues e desafios, depois de tantos anos em uma jornada cheia de surpresas, indas e vindas, nós “chegamos lá”.
Fizemos um negócio do tamanho dos nossos sonhos.

Porém minha aventura na Reserva INK se encerrou um pouco antes disso.
Depois de quase 3 anos da aquisição, tomei uma das decisões mais difíceis da minha carreira e deixei a empresa que fundei. Eencerrei uma jornada de uma década ao lado de pessoas que eu amo e parti para a próxima aventura.
Mas o motivo de eu ter tomado essa decisão e quais foram as consequências disso você só vai saber lendo o próximo capítulo…