[16/19] Sobre desapego, engenhosidade e lançamentos
Movido a pessoas incríveis, parte 16 de 19
Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 16 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

A sensação de assinar o deal de venda da Touts para a Reserva foi um turbilhão de emoções.
Me lembro que nesses últimos meses era uma ansiedade enorme não saber como seriam as próximas semanas porque tudo poderia mudar a qualquer momento.
Finalmente quando assinamos, foi a sensação de dever cumprido gigantesco.
Fazia parte do sonho desde o momento que comecei a empreender vender a empresa em algum momento. Era o tipo de sonho distante, tipo fazer um IPO. Jamais imaginaria que estaria vivendo aquilo com 27 anos de idade.
Ao mesmo tempo sentia um frio na barriga enorme de não fazer ideia de como seria o futuro a partir dali.
Um ponto que acabei não atualizando ao longo dos últimos capítulos foi a evolução da minha participação no negócio: em 2017 renegociei minha participação de 5% para chegar até 10% nos 4 anos seguintes.
Com o evento de liquidez aproveitei para negociar mais uma vez, chegando a ter 20% de participação no momento em que a Reserva INK foi lançada.
Essa parte não é nem um pouco relevante para o desenrolar da história, mas resolvi compartilhar como curiosidade e por ser um assunto pouco falado.
Bom, já estamos em 2020 e com a Touts devidamente descontinuada, tanto a operação física quanto online. Era hora de correr para lançarmos o novo negócio para o mundo.
Fizemos inúmeras rodadas de discussão com os sócios da Reserva e o consenso era de que relançaríamos a Touts apenas incorporando a identidade da Reserva de alguma forma a nossa marca.
O nome seria algo como “Touts Reserva”. Assim teríamos o melhor dos dois mundos: o “selo” da Reserva e manteríamos nossa marca independente, que já tinha alguma reputação.

Algo tipo isso aqui chegou a ser cogitado
Depois de muito conversarmos, percebemos uma outra oportunidade. Era uma boa hora para fazermos um ajuste em nosso modelo de negócios.
Nos últimos anos da Touts, nós lutamos para tentar emplacar um modelo onde os artistas se sentissem tivessem mais donos de suas páginas e encarassem aquilo como seus próprios negócios.
Na prática as pessoas subiam as estampas na Touts e tinham a expectativa de que nós vendêssemos por elas.
Claro que a gente tinha um alinhamento de interesses enormes e tentava fazer isso, mas não conseguíamos gerar tantas vendas para todos.
A quantidade de vendas de cada usuário seguia uma distribuição de cauda longa e isso fazia com que a grande maioria das pessoas ganhasse muito pouco por mês.
Mais ou menos por essa época descobrimos sobre como funcionavam as operações de dropshipping nos US e como esses empreendedores faziam marketing digital de um jeito bem específico.
Juntando esses dois fatores, ficou claro que para nosso modelo decolar nós precisiariamos criar uma plataforma para empreendedores digitais, não só para artistas.
E como consequência disso precisaríamos cobrar uma mensalidade para utilizarem a plataforma, só assim as pessoas passariam a dar valor para suas lojas e entenderiam como um investimento em seu negócio.
Quando você dá algo de graça para alguém, dificilmente essa pessoa vai dar valor ao que ganhou. Agora se ela pagar, pode ter certeza que ela vai tentar usar, prestar atenção, reclamar se achar ruim e cancelar se não valer a pena. E é esse tipo de engajamento que você quer de seus usuários.
Por conta disso, Arturo e eu achavamos que seria uma boa oportunidade para um rebranding e relançamento.
A marca da Touts já era muito associada a ideia de marketplace e artistas, e apesar do ajuste parecer sutil, implicaria em muitas mudanças no negócio e principalmente no posicionamento.
Em dado momento lembro de termos reuniões com o Rony e com o Jayme onde eles tentavam nos convencer de que deveríamos manter a marca da Touts e nós querendo abrir mão dela. Essa dinâmica foi engraçada, e hoje acho que mostra um pouco do nosso nível de desapego fazendo negócios depois de tantas aventuras.
O nome Reserva INK surgiu em algum desses papos e salvo engano foi sugestão do Jayme. Lembro que durante a reunião mesmo eu conferi que existia o TLD .ink e batemos o martelo que o domínio seria reserva.ink

A primeira versão da logo da INK com aplicações de estampas
Com contrato e nome resolvidos, finalmente era hora de construir!
As primeiras semanas do ano foram de foco total no lançamento, definimos que a data de lançamento seria Março e tinhamos esse tempo para adaptar todo o site e produto.
Enquanto isso, fizemos uma campanha e rodamos uma lista de espera para os seguidores da Reserva e do Rony dizendo que a Reserva montaria uma plataforma para novos empreendedores e teriam vagas limitadas.
O maior erro que cometemos foi ser otimista demais e divulgamos uma data de lançamento sem ter nada pronto.
Não lembro como nem porque mas definimos que dia 9 de Fevereiro rolaria uma live no Instagram do Rony para anunciar a novidade e lançar a lista de espera. Esse também seria o dia que o novo site iria pro ar pela primeira vez.
O único problema é que não existia site!
Só tínhamos o site da Touts e teriamos pouco mais de um mês para mudar tudo para Reserva INK, fazer todas as integrações com sistemas da Reserva (fabricação, estoque, emissão de nota, etc), criar um sistema de assinaturas recorrentes, fazer as mudanças no banco de dados, atualizar os termos de uso, migrar contrato de todos os fornecedores e mais um monte de coisa – era um monte mesmo.
Isso tudo com o Cahuê sendo o único desenvolvedor.
Nessa hora a sagacidade e agilidade foram imperativas.
Toda semana Cahue e eu sentavamos para conversar e repriorizar o que faríamos. Toda semana a gente mudava o escopo e simplificava alguma coisa pro lançamento.
Esse foi um dos momentos onde tomamos algumas das decisões mais contraintuitivas e certeiras de todas. E vai ser para sempre um lembrete de que é possível reduzir o escopo até “o osso”.
Nada cria inovação como restrições severas que te levam aos limites.
A primeira versão do site era muito feia. Muito mesmo, de dar vergonha.

O que salvava era a ilustração irada no background!
Até aí tudo bem, porque segundo Reid Hoffman “se você não tem vergonha da primeira versão do seu produto significa que você lançou tarde demais”.
Mas nós fomos além.
Como a limitação de tempo era grande, só nos restava enxugar cada vez mais o escopo pra lançar a tempo. Isso incluiu várias concessões de funcionalidades até então impensáveis, como lançar o site sem integração com o sistema de assinaturas.
Fizemos uma página de checkout onde a pessoa passava o cartão de crédito dela para ser cobrada recorrentemente, uma vez que ela assinasse nós liberávamos o usuário daquele e-mail para criar sua loja na INK e só.
Caso ele parasse de pagar a loja continuava no ar para sempre e se precisasse cancelar, tinha que entrar em contato conosco por e-mail para fazermos isso manualmente.
O mais impressionante é que o site ficou assim por mais de dez meses depois de lançarmos e não tivemos uma única reclamação disso nesse período.
A primeira versão da INK era bem zoada mesmo. Era basicamente a Touts, que até pouco tempo atrás era de graça, só que paga.
No começo dava um pouco de vergonha de verdade e eu tinha que ser cara de pau vendendo a visão de futuro para que fizesse algum sentido trazer as pessoas para dentro. Nesse momento a marca Reserva ajudou bastante.
No dia 8 de Fevereiro fizemos uma live de lançamento do Instagram do Rony para noticiar para o mundo que a Reserva INK estava nascendo e que as primeiras pessoas poderiam fazer parte a partir de um sistema de lista de espera lançado aquele dia.
A lista foi um sucesso, em algumas semanas conseguimos mais de 5.000 interessados. Número muito maior do que as 50 vagas que liberamos, 25 para artistas da Touts e 25 para novos clientes dessa lista.


[Movido a pessoas incríveis] Teaser lançamento INK
Essa live também tem algumas histórias peculiares. A primeira é que a gente tinha entendido com o Rony que a live seria na casa dele. Até confirmarmos com a Claudinha, sua secretária, na semana anterior, que a casa dele estava em obras e não poderia ser lá.
Faltando alguns dias para o lançamento não tínhamos nem o site pronto, nem o local da live.
Surgiu a ideia de fazermos dentro de uma das lojas da Reserva e logo pensamos em fazer da loja da Reserva de Ipanema, que foi a primeira de todas. Tinha um simbolismo envolvido e era perto da casa do Rony. A conta fechou e o pessoal da loja foi muito gente boa de ficar lá até um pouco mais tarde com a gente nesse dia.
Naquela época ninguém fazia live, então a gente nem imaginou que precisaria de equipamento ou qualquer coisa assim. Para nossa sorte a Laura e Juliana, do time de social media da Reserva, foram lá nos ajudar e levaram iluminação. Mas ainda tivemos que improvisar e literalmente apoiamos o celular dentro de um tênis para funcionar como tripé e estabilizar a gravação.

Repara no celular apoiado no tênis ali atrás
O Rony estava achando o máximo como estavamos fazendo tanta coisa com tão pouco e eu estava morrendo de medo de tudo ficar uma bosta.
A maior emoção mesmo foi que até o momento que começamos a live o site ainda não estava no ar. O Cahuê foi com a gente pra gravação e ficou sentado nos bastidores terminando de codar pra subir o site antes de anunciarmos a URL!
Sério, depois dessa jurei nunca mais fazer promessas ou lançamentos desse estilo…
O que aconteceu na sequência foi completamente inimaginável.
Algumas poucas semanas após o lançamento e subirmos as primeiras lojas, a OMS declarou pandemia e todos ficaram em quarentena.
Parte dos planos para a Reserva INK eram utilizar o expertise e sinergia com a Reserva para multiplicarmos o modelo de quiosques como franquias, inclusive oferecendo para franqueados que já tinham lojas da Reserva pelo Brasil.
Como tínhamos fechado os quiosques da Touts, iríamos relança-los como Reserva INK em um modelo muito parecido.
Enquanto Cahue e eu trabalhavamos no produto digital, o Arturo ficou completamente focado na operação offline.
Quando a pandemia estourou, já tinhamos feito um projeto do quiosque com um escritório de arquitetura especializado e estavamos negociando com os shoppings.
Chegamos a ficar com o contrato do Rio Sul em mãos para assinar, por muito pouco não assinamos para entrar na semana da pandemia. O pessoal do shopping ainda teve a cara de pau de ligar na semana seguinte perguntando quando iríamos mandar a versão assinada do documento.
Durante a quarentena, eu levei meu computador para a casa do Cahue e nós ficamos morando juntos.
O que a princípio seriam 15 dias, viraram 30, depois 40 e cada vez ia aumentando mais.
Só sei que foi um período muito maluco e, em retrospecto, a melhor coisa que fizemos foi nos afogar em trabalho para não enlouquecer – ou enlouquecer menos.
Decidimos que a plataforma da INK seria liberada para todo mundo da lista de espera e com 40 dias grátis — ninguém esperava que a quarentena duraria mais que isso.
Era uma forma de tentar ajudar as pessoas que tinham perdido suas fontes de renda porque estavam presas em casa.
Pra fazer isso acontecer a tempo, precisamos entrar em modo lançamento de novo.
Esses dias iniciais da pandemia foram loucura. Ninguém sabia nada do que estava acontecendo, a gente só trabalhava sem nem saber se faria sentido continuar trabalhando.
As manhãs, tardes e noites, dias de semana e finais de semana se misturavam. Me lembro de trabalhar, jogar Factorio, assistir live, pedir delivery de cerveja e acompanhar os números da COVID naquele site Our World in Data. Ah, e de ir ao mercado morrendo de medo…


[Movido a pessoas incríveis] Memórias da pandemia
A nossa campanha de quarentena deu muito certo e muita gente da lista de espera se inscreveu. Mas o primeiro mês de faturamento da INK foi bem tímido.
Ficamos acompanhando venda a venda e lembro de comemorar com o Cahue que batemos os primeiros R$40 mil de faturamento, que era menos do que um mês normal da Touts.
Alguns meses depois da pandemia, ainda em isolamento, entendemos que não faria sentido abrir lojas físicas tão cedo e focamos 100% no digital.
Essa foi uma das melhores decisões que fomos obrigados a tomar. Hoje não tenho dúvidas de que o negócio é infinitamente melhor sendo totalmente digital.
Por volta de Agosto conseguimos descongelar nosso budget travado por conta da pandemia e fazer as primeiras contratações para o time.
Queríamos muito trazer novos desenvolvedores para acelerar o produto e melhorar a plataforma.
E como nem tudo são flores, aí começam alguns dos dramas da aquisição. Contratar dev já é difícil naturalmente, mas nossa vida era ainda mais difícil por estarmos dentro da Reserva.
A Reserva é uma empresa de varejo. Uma das melhores. A INK é uma empresa de tech. Fazendo uma plataforma de e-commerce no formato de SaaS. São mundos bem diferentes e a maior parte Reserva nunca entendeu isso muito bem.
Mas vou deixar para entrar em mais detalhes sobre formação de time e alguns dos trade-offs de ter sido adquirido no próximo capítulo…