Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 15 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

O ano de 2019 foi repleto de altos e baixos para a Touts.
Começamos o ano cheio de problemas e dores de cabeça que pareciam intermináveis.
Depois renovamos as energias com um programa de aceleração, escritório no WeWork, Cahuê entrando no time e uma possível rodada de investimentos.
Já no terceiro trimestre, estávamos cansados de negociar e conversar com fundos e potenciais investidores e não ter nada assinado.
Estávamos alinhados que mesmo o deal da Reserva não sendo o melhor possível, era a melhor escolha. Lá poderíamos criar juntos um negócio grande e relevante, do tamanho da nossa ambição.
Sempre falei sobre conseguir criar algo que atingisse o marco de R$100 milhões por ano, por que isso seria um indicador de que impactaríamos a vida de muita gente.
O que nos consumia é que a negociação demorava muito.
E nesse tipo de conversa parece que a qualquer momento tudo pode mudar e ir por água abaixo por conta de algum termo ou premissa nova que surge do nada.
Foi um período muito angustiante de mais de 6 meses de vai e vem.
Em Julho já estávamos decididos que iríamos seguir com a Reserva e as conversas se intensificaram para decidir todos os pormenores de como seria o contrato, os pagamentos, como os negócios se juntariam e tudo mais.
Era muito estranha a sensação de estar colocando quase toda a nossa energia pra fazer essa negociação sair e seguir tocando a Touts em paralelo.
Enquanto isso tudo rolava, ainda tínhamos 3 lojas físicas e o site para tocar, com todos os problemas e dores de cabeça normais da operação do dia a dia.
Recebemos a primeira versão do contrato em Setembro e achamos que a partir dali tudo seria muito rápido.
Não foi.
A vontade de resolver era grande dos dois lados, mas “sabe como é, né? essas coisas de M&A são assim mesmo”.
Chegou outubro e com ele o fim do programa do BNDES. Ou seja, ficamos sem o espaço do escritório que usávamos.
A partir daí, Arturo, Cahuê e eu começamos a frequentar e trabalhar de dentro do escritório da Reserva, em São Cristóvão.
Era muito louco, porque nem todo mundo lá dentro sabia do deal. E nem as pessoas do resto do time da Touts!

O cantinho que a gente ocupava lá no escritório da Reserva
Eu me sentia como um “agente duplo” trabalhando disfarçado dentro do escritório dos outros.
A essa altura, nossa rotina era planejar o novo negócio, conversar com o pessoal da Reserva e montar um plano de negócios para o futuro da Touts como uma marca do grupo Reserva, então fazia sentido estarmos lá.
Ainda não tínhamos assinado nem definido nada formalmente, então não fazia sentido largar tudo da Touts e trabalhar no negócio novo. Mas uma das coisas que fizemos bem foi aproveitar nosso tempo no escritório deles para interagir com o máximo de pessoas-chave dentro da Reserva.
Já conhecíamos os 4 sócios principais e foi questão de tempo até conversarmos com quase todas as lideranças e conhecermos muitos dos processos internos e dinâmicas dos times.
Acho que mandamos bem nisso porque nós fomos atrás de muitas dessas conversas, não esperamos uma intro nem nada do tipo.
Geralmente eu pegava o contato das pessoas-chave com alguém, mandava uma mensagem me apresentando e dizendo que algum dos sócios me indicou pra falar com tal pessoa sobre tal assunto. Funcionava muito e facilitou demais nossa integração.
Depois de quase 8 meses desde que começamos a negociar, no início de Novembro finalmente tínhamos a versão final do contrato para assinatura.
Na redação final, a Touts continuaria operando até o final de 2019 e depois disso encerraria formalmente suas atividades a partir da virada do ano.
O pagamento seria em uma parte fixa e uma variável.
A parte fixa seria paga em duas partes: uma no ato da assinatura do contrato e outra junto com a variável, após 5 anos.
A parte variável era um modelo de earnout, calculado como um percentual do EBITDA acumulado nos 5 anos posteriores da nova operação.
A quantidade de dinheiro não nos deixaria ricos e nós sabíamos disso, estávamos assinando muito mais pelo potencial de finalmente construir algo realmente grande e significativo.
Na verdade, a primeira parcela da venda foi toda usada para bancarmos a operação da Touts até o fim do ano e encerrar as operações.
O fluxo de caixa para pagar os aluguéis dos quiosques veio no momento perfeito. Encerrar as operações de uma empresa é algo custoso e pouco falado. No nosso caso tivemos que pagar as rescisões do restante do time inteiro, quitar as dívidas e optamos por pagar logo a parte dos outros sócios na venda.
Na pessoa física eu não vi nem a cor desse dinheiro da primeira parcela. Na verdade até o momento em que estou escrevendo esse texto ainda não recebi nenhum centavo da venda da Touts.
Muitas pessoas acham que eu fiquei rico depois que viram as reportagens falando sobre a venda da Touts.

Parecia mesmo que a gente tinha ficado rico
O que ninguém sabe é que ainda ficamos pagando uma dívida parcelada por mais 4 anos depois de vender a empresa.
Acho que essa é a parte que não contam sobre um exit, mas acontece bastante. Também é um bom lembrete de que nem todas as notícias que a gente vê por aí são como imaginamos.
Encaramos nosso exit mais como um investimento do que como uma venda, e sabíamos que estaríamos começando uma nova fase a partir dali.
Tínhamos uma meta bem difícil pela frente e ganhar alguma coisa dependia de atingirmos os números do earnout, a parcela variável da venda. E, apesar do valuation não ter sido, esses números sim eram de startup de tech.
Era o famoso “triple, triple, double, double, double” (T2D3) em referência às taxas de crescimento anuais do negócio – foi dessa forma que empresas como Salesforce e Zendesk chegaram a U$100 milhões de receita em 5 anos.
Já ouvi algumas pessoas dizerem que “earn-out é feito para ser não ser pago”, e o nosso parecia seguir essa linha.
No dia 5 de Novembro de 2019 assinamos o contrato de venda da Touts para a Reserva.
Uma vez por trimestre acontecia o jantar dos “Notáveis”, grupo de sócios da Reserva que ganhavam participação através de um programa de partnership, e foi nesse evento que assinamos o contrato.
Era um jantar no restaurante Rubaiyat no Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que eu comi lá e a primeira vez que entrei em uma sala de reunião para “fazer negócios” desses restaurantes.
Antes de assinarmos, passaríamos por uma sabatina com todos os sócios.
Nas semanas anteriores preparamos uma apresentação do novo negócio para todos os notáveis, que fariam perguntas e questionariam o que quisessem.
Era uma formalidade, dado que estava tudo certo para assinarmos, mas mesmo assim gerou uma certa ansiedade de ouvir as opiniões sinceras de todo mundo ali.
Apresentamos tudo. A história da Touts. Nossos planos para o futuro. As integrações e sinergias com outros negócios do grupo. A operação da fábrica de impressão sob demanda. Um esboço do projeto das lojas físicas. A integração dos sistemas. Várias projeções financeiras até 2025.
Quando finalmente encerramos a apresentação e abrimos para perguntas, estávamos esperando pelo pior.
Imaginamos vários tipos de questionamentos, menos o que a Camila Kraus nos perguntou. Imediatamente depois que acabamos de falar ela já estava com o braço levantado para disparar:
– “Quantos anos vocês tem mesmo?”
Nesse momento todo mundo caiu na gargalhada e quebramos o gelo da melhor forma possível.
Ninguém nem perguntou mais nada e o restante da reunião foi só alegria. Bruno Perseke, responsável pelo jurídico, aproveitou o momento para sacar o contrato e assinamos ali mesmo.
Arturo e eu assinamos do lado da Touts. Rony e Jaime do lado da Reserva. E o Cahuê como testemunha!
Lembro desse dia como se fosse ontem, foi uma sensação de euforia muito grande. No momento em que peguei a caneta para assinar, fiquei com um tunnel vision enorme, sem conseguir ver ou ouvir nada ao meu redor por alguns segundos. Nunca senti nada parecido, muito louco!


Assinatura do contrato de venda da Touts
Arturo, Cahue e eu saímos do Rubaiyat e fomos comer um hambúrguer e tomar uma cerveja para comemorar.
Estávamos tão cansados e tínhamos tanta coisa pra fazer no dia seguinte que a comemoração acabou por aí.
Depois de assinar e ter certeza do nosso futuro, finalmente pudemos contar para o restante do time da Touts.
Fizemos um café da manhã com todos do time para dar a notícia e nos preparar para o encerramento da empresa depois do Natal.
Algum tempo depois fizemos um churrasco de despedida na Vila da Penha, onde era nossa fábrica até então e onde tudo começou – sim, na mesma churrasqueira lá do início.
Também tivemos que dar a notícia para nossa comunidade de artistas.
Para os mais ativos nós entramos em contato e conversamos um a um. Lembro de visitar alguns no Rio de Janeiro para dar a notícia, que foi recebida com sentimentos ambíguos.
Alguns gostavam, outros não, a maioria tinha medo do que isso significa para a marca e para os produtos deles.
Tentávamos assegurá-los de que nós continuaríamos com autonomia e seria uma oportunidade de todos crescerem muito mais juntos.
Apesar de realmente acreditar nisso, nem eu mesmo sabia como seria o futuro.
Nosso último ato na Touts foi o que chamamos de “Black Hole”.
No dia 31 de Dezembro de 2019 nós subimos a última versão do site. Essa nova página era quase uma instalação artística misteriosa.
Era uma página estática, com fundo de buraco negro e estrelas, que conforme vc dava scroll para baixo revelava uma linha do tempo da Touts, com fotos e highlights do que aconteceu ao longo dos anos.
No fim, uma mensagem enigmática dizendo que tudo mudaria dali pra frente e muitos agradecimentos por todo mundo que participou da jornada.

Os últimos momentos do site foram uma linha do tempo com agradecimentos
Claro que esse último ato ainda geraria uma história engraçada.
Cahuê e eu viajamos para passar o Reveillon juntos esse ano. Precavidos como somos, deixamos tudo preparado para fazer o deploy faltando poucas horas pra virada de ano.
Só não contávamos que a internet da pousada onde ficamos seria horrorosa, e ficaria pior ainda nos últimos momentos do ano. O 3G dos nossos celulares também não pegava.
No desespero de estragar tudo, ligamos para a única pessoa que poderia nos salvar. Flavinho estava de férias no Brasil e ainda tinha acesso ao repositório!
Simbolicamente, a pessoa que mais comittou no projeto foi quem fez o último deploy da Touts e tirou o site do ar.
Esse foi o fim da jornada da Touts, que deu espaço para uma nova aventura a frente da Reserva INK.
Mas esse novo capítulo, inclusive o que motivou a mudança de nome e relançamento da marca, você só descobre literalmente no próximo capítulo…