Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 13 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

Estamos em 2019 e o cenário não é bom.
Reduzimos nosso time da Touts de 24 para 15 pessoas. Logo depois, Lacerda e Flavinho decidem sair da empresa.
Além disso, algumas semanas depois a gerente que o Lacerda treinou para ficar em seu lugar tocando as lojas físicas também pede pra sair.
Pra coroar, acabamos de assumir uma dívida de quase R$400.000,00 para dar fôlego para a operação e minha mãe é a fiadora!
Por incrível que pareça, no meio desse caos todo eu consegui ficar animado com uma coisa: decidimos que iríamos captar investimento.
Provavelmente esse nem é o motivo certo para se ficar tão animado, mas pelo menos era uma esperança de mudança.
A essa altura nós já tínhamos feito Startup School da Y-Combinator e estávamos cansados de ouvir histórias de mil startups que captaram com fundos de Venture Capital (VC).
Desde o começo da Touts a gente imaginava como seria ser uma startup do Vale do Silício. Crescendo a velocidades incríveis, cercado de gente incrível e atacando desafios cada vez maiores. E financiamento externo era algo que andava lado a lado com essa imagem.
Quando começamos, levantar dinheiro com fundos de venture capital soava como uma ideia distante e exclusiva para empresas gringas ou empreendedores experientes.
Quase 5 anos depois, o cenário do ecossistema já era outro. Paulo Veras já tinha feito o exit da 99Taxi que injetou esperanças nas teses de VC brasileiras. Fora isso, nós ficávamos sabendo de negócios muito piores que o nosso que levantavam capital com valuations incríveis. Não parecia justo que a gente não tivesse acesso a isso também (spoiler: nunca é sobre justiça).
Nessa mesma época descobrimos um novo programa de aceleração do BNDES, chamado BNDES Garagem. Por ser a primeira edição, não sabíamos o que esperar. Mas tivemos ótimas experiências no programa Scale Up da Endeavor no ano anterior e existia a promessa de um escritório no WeWork por 6 meses por conta do programa.
Admito que fiz nossa inscrição só pela possibilidade de ganharmos um novo escritório.
Depois de algumas semanas e um processo seletivo com milhares de startups, nós fomos aprovados. Arturo ficou super feliz quando passamos porque poderíamos devolver nossa sala na Tijuca e cortar mais uma despesa.

Coisas aleatórias que só empreender proporciona: tirar foto ao lado dessa placa
A sala do WeWork onde ficamos era realmente impressionante. Uma infraestrutura de ponta, super bem decorada e com uma das vistas mais bonitas do Rio de Janeiro – e olha que essa concorrência é forte. Mas essa não foi a melhor parte do programa.
Nossos colegas de batch eram várias startups e empreendedores de todo o Brasil e fizemos bons amigos lá. Além disso, tivemos algumas mentorias e conversas com fundos de investimentos para aprender mais sobre fundraising que foram bem valiosas.
Durante o programa, aprendemos que o melhor jeito de se falar com qualquer fundo é pedindo indicação e intros. E o mais importante, existe uma hierarquia de intros: 1) LPs, 2) bons founders do portfólio, 3) de outros VCs, 4) qualquer outra. Então começamos a ativar nossa rede nesse sentido.
Para a empresa não desandar, concordamos que quem tocaria a frente de fundraising seria o Arturo, enquanto eu focaria em fazer experimentos de growth e em cuidar do produto. Vale lembrar que estávamos “à deriva” sem desenvolvedor no time.
Não sei se foi um golpe de sorte ou resultado de karma positivo acumulado, mas encontramos a resposta para um de nossos maiores problemas bem debaixo do nosso nariz.
Antes de deixar a Touts, o Flavio contratou como freelancer um amigo seu da 42 de Paris, o Cahuê Beltrão. Na última semana do Flavinho, ele disse que esse amigo dele já estava trabalhando com ele, conhecia o código e seria uma boa substituição para sua saída.
Até então a gente nunca tinha falado com o cara e quando entramos em contato ele disse que estaria vindo para o Brasil dali a alguns dias.
Ele iria para Recife, sua cidade natal, e depois se mudaria para o Canadá porque estava em risco de perder sua residência canadense caso não morasse lá por alguns meses.
Nessa vinda ao Brasil, ele disse que teria disponibilidade para vir conhecer nosso escritório no Rio, caso a gente quisesse.
Arturo e eu entramos numa enorme discussão se valeria a pena pagar uma passagem de Recife pro Rio pra trazer o Cahuê para nos conhecer e passar alguns dias trabalhando com a gente.
Eu sei que uma passagem aérea é um risco financeiro baixo, mas a gente tava muito na merda e qualquer custo sem motivo era uma dor profunda.
Como não tínhamos nenhuma perspectiva de conseguir alguém para tocar nossa área de tecnologia, decidimos bancar a vinda do Cahuê.
Não seria isso que nos mataria e daríamos um jeito de gastar o mínimo possível, como sempre.
Compramos a passagem para ele passar 4 dias com a gente no Rio, conhecer a cidade, a Touts e seus novos colegas de trabalho.
Sem saber, formamos a tempestade perfeita e uma armadilha para conquistar o Cahuê.
Para economizar, ele se hospedaria no apartamento do Arturo, na Dias Ferreira, uma das ruas mais badaladas da vida noturna carioca.
Nosso escritório era em um dos prédios mais impressionantes do Centro do Rio, com decoração padrão WeWork no seu auge.

Vista da minha mesa no WeWork durante o programa
A sala onde ficávamos tinham outras 20 startups de sucesso com histórias e founders incríveis.
A empresa já tinha um produto consolidado e estava conversando com fundos de investimento para captar milhões de dólares.
Os fundadores eram dois caras mais ou menos da idade dele, com as mesmas referências e que curtiam coisas parecidas.
E o Rio de Janeiro era o Rio de Janeiro.
O golpe foi tão certeiro que o Cahuê quis se mudar pro Rio pra trabalhar com a gente.
Quando ele descobriu que o Arturo estava saindo do seu apartamento e que o aluguel que ele pagava era desproporcionalmente barato ele não pensou duas vezes.
Voltou para Recife para o aniversário do seu pai e na semana seguinte já estava de volta ao Rio para ficar.
Ficamos incrédulos que ele estava disposto a abrir mão da residência canadense dele para se juntar a Touts.
Até tentamos convencer ele do contrário, de que ele poderia ir e trabalhar remoto, sem problemas. Não adiantou, naquele ponto parecia que ele tinha mais crença em nós do que nós mesmos.
Até hoje não sei se o Cahuê teve uma visão muito apurada do futuro ou foi obra da sua ingenuidade!

Dia que o Cahuê conheceu a Touts
Assim que começamos a trabalhar juntos, o primeiro projeto que passamos para o Cahuê foi refatorar o checkout do site.
Foi assim que descobrimos que ele não tinha trabalhado quase nada no projeto da Touts e mal conhecia a codebase. Na verdade, ele mal sabia programar em Ruby on Rails!
Da mesma forma que o Cahuê apostou na gente, nós apostamos nele. Pelo pouco que tinha conhecido dele até então, dava pra ver que, se ele quisesse, seria capaz de aprender o que fosse preciso e dar conta do trabalho. E dado que ele tinha largado tudo pra estar ali, motivação ele parecia ter — e as vezes isso é tudo que se precisa.
Vou abrir um breve parentêsis aqui para contar a história desse novo personagem.
Quando entrou na Touts, o Cahuê tinha 24 anos e tinha uma trajetória bem peculiar. Depois de morar alguns anos no Canadá, voltou para o Brasil e entrou para faculdade de Ciência da Computação na Universidade de Pernambuco.
Em pouco tempo percebeu que a faculdade não o ensinaria a programar de verdade e largou o curso. Por acaso, descobriu sobre a 42, uma faculdade de programação diferente de todas as outras e que mudou sua vida.
A 42 foi fundada na França por Xavier Niel, um bilionário da indústria de telecom que acreditava que o modelo de ensino tradicional não servia para os tempos atuais. Com isso em mente, montaram o que seria a escola ideal para desenvolvedores aprenderem o que fosse necessário para darem certo no mercado. A 42 é uma faculdade sem professores, totalmente baseada em aprendizado por projetos e colaboração entre os alunos.
Enfim, dava pra ficar um bom tempo falando sobre a 42, mas voltando a nossa história: o Cahuê resolveu aplicar para estudar lá.
O processo seletivo era uma série de desafios técnicos de código e lógica, caso a pessoa fosse aprovada ela passaria para a segunda etapa presencial, chamada de Piscina. Dizem que as Piscinas da 42 são tipo um treinamento do BOPE dos devs. É feitos para as pessoas desistirem e só quem realmente estiver disposto passar para o programa.
O Cahuê passou na primeira etapa e foi fazer a Piscina na 42 do Vale do Silício.
Lá ele viveu várias aventuras como morar num carro, fazer uma roadtrip com Coreanos pela Califórnia e conhecer alguns dos maiores hackers do mundo. Mas principalmente ele aprendeu ser um programador e resolver problemas complexos relacionados a desenvolvimento de software.
Depois de um tempo na Califórnia ele pediu transferência para a 42 da França, onde fatidicamente conheceu o Flavio e ficaram amigos. O resto é história.

42
Dito isso tudo, Cahuê podia não saber Ruby on Rails ainda, mas tínhamos convicção de que ele aprenderia e resolveria o que fosse necessário. E assim, com o tempo fomos retomando nossa capacidade de fazer melhorias no produto e realizar experimentos.
Enquanto isso, ainda tínhamos o problema da captação para resolver. Durante esse ano conversamos com os principais fundos de Venture Capital, alguns investidores institucionais e outros investidores estratégicos.
Mas para saber o que eles falaram e o que aprendemos nesse processo você vai precisar ler o próximo capítulo…