Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 12 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

Nesse momento da nossa história, a Touts tem 4 quiosques, a fábrica na Vila da Penha e acabávamos de alugar também uma salinha de escritório na Tijuca.
A sala tinha uns 15 metros quadrados, e cabiam 3 mesas com 6 estações de trabalho. O espaço ficava em um prédio comercial bem próximo ao Shopping Tijuca, onde tínhamos um quiosque. Não era muito, mas era mais do que o suficiente para nós.
O escritório se fez necessário depois que o espaço para trabalhar na fábrica foi sendo cada vez mais reduzido por conta do aumento da demanda.
Essa sala tinha a nossa cara: nós fizemos as mesas de compensados reutilizados, montamos a decoração usando posters da própria Touts, compramos as cadeiras usadas e nunca colocamos as luminárias no teto. Não era muito, mas nos deixava bem felizes.

Nossa salinha na Tijuca
Em pouco tempo percebemos que só usávamos metade das estações de trabalho que tínhamos, e muitas vezes ficava solitário trabalhar de lá. Tivemos a ideia de dividir a sala com o pessoal do RespondeAí para baratear o aluguel. Os fundadores, Paulo e Michel, eram velhos conhecidos nossos da UFRJ e toparam na hora.
Até então esse parece um capítulo feliz, mas não é. O problema é que as vendas não estavam indo bem e nosso caixa estava acabando muito mais rápido do que prevíamos.
Na verdade nunca tivemos muito caixa, e agora ele não estava mais sendo gerado e sangrávamos um pouco a cada mês.
Como é de praxe no mundo das startups – e na vida em geral –, todos estão felizes enquanto está tudo bem. Agora, quando as coisas vão mal é que os problemas aparecem. Em uma startup isso geralmente tem a ver com crescimento.
E óbvio que dessa vez não foi diferente.
O Flavinho trabalhava com a gente remoto, morando em Boston, ganhando pouco em reais e gastando em dólares.
Ele também tinha o maior custo de oportunidade de todos nós. Por isso, era quem mais sofria pelo negócio demorar para dar resultado.
A cada contratempo ou frustração, o Flavio sentia demais. Além da ansiedade, a próxima consequência natural era a frustração. E nesse período em que a empresa começou a ir mal, essa situação ficou insuportável para ele.
Do lado offline, o Lacerda também passava por uma crise.
As lojas não estavam indo bem e os planos de acelerar foram freados por simples falta grana. Ele começou a buscar alternativas para as lojas e questionar nossa estratégia.
Em dado momento o Lacerda estava tão confuso e desacreditado do que poderia fazer dentro da empresa pra sairmos do buraco que decidiu que se especializaria em Produto e que esse seria o caminho para resolvermos nossos problemas.
Só que isso não fazia sentido nenhum para nós naquele momento.
Até tentamos fazer funcionar uma dinâmica de Product Manager, mas isso não cabia no nosso time e nem no nosso momento. Não sabíamos fazer produto, só tínhamos um desenvolvedor — que também estava em crise — e várias lojas e vendedores que precisavam ser gerenciados.
O resultado foi um show de horrores, com Arturo e eu no meio. Em um intervalo de meses tanto Lacerda quanto Flavinho saíram da Touts.
Essa foi sem sombra de dúvidas uma das piores fases que passamos.
Cada um saiu por seus motivos, mas que com certeza teriam sido amenizados caso o negócio estivesse indo bem.
O Lacerda saiu primeiro. Decidiu migrar de carreira para Produto e foi trabalhar na Stone. Acho que hoje ele não se arrepende, pois teve uma carreira brilhante na área.
O Flavinho foi para Paris estudar em uma escola de programação chamada 42 para aperfeiçoar suas capacidades técnicas. Acho que ele também não se arrepende, despontou como desenvolvedor na França em pouco tempo.
Como o Flavio tinha uma posição mais crítica e já tinha equity, ele ficou trabalhando part-time por um tempo e tentou nos ajudar a encontrar um substituto, o que não era uma tarefa simples e demorou alguns meses para se concretizar.
Aqui vale um parêntesis.
Na minha vida pessoal eu estava correndo para terminar minha faculdade, querendo me livrar daquele boleto mensal e preocupado com a dívida que se acumulava do financiamento que tinha pego.
Consegui fazer o curso de Administração relativamente rápido. Me formei em 3 anos fazendo todos os períodos a noite. Ou seja, pegava o máximo de créditos possível todo período.
Nessa época da crise da Touts eu estava fazendo meu TCC e eu dei muito azar antes de dar sorte.
A única coisa que eu queria era fazer minha monografia sobre minha startup. Eu sempre fiz meus trabalhos de faculdades sobre a Touts.
Essa era meu jeito de “hackear” a faculdade e trabalhar no negócio enquanto fazia as matérias. Fora que também sempre era uma oportunidade de divulgar mais a empresa para os alunos e professores.
Quando fui buscar um orientador, acabei me convencendo de que um professor de marketing digital seria uma boa escolha por ser um tema mais relacionado tech.
Errei feio. Acabou que esse professor não estava interessado em orientar uma monografia sobre uma única empresa e me fez mudar de tema e estudar outros negócios.
Nesse momento entendi que eu precisava trancar a monografia e atrasar minha formatura em um período.
Foi mais um golpe duro e inesperado.
Como falei, estava correndo para terminar o quanto antes, e atrasar significava pagar mais e por mais tempo!
Por outro lado, foi também uma grande sorte, porque por causa desse contratempo fui muito mais incisivo em procurar um bom orientador.
Por acaso, nesse mesmo semestre um professor de empreendedorismo da PUC me convidou para palestrar em uma de suas aulas.
Luis Felipe Carvalho era coordenador de empreendedorismo e ficou intrigado com o quanto eu sabia de startups e conseguia apresentar uma empresa de camisetas como uma empresa de tecnologia.
Eu também percebi que aquele cara não era como os outros professores.
Além de conhecer as teorias de negócios, curtir Steve Blank e Eric Ries, ele tinha interesse genuíno nas startups que os alunos montavam. Fora que também estava de olho no que acontecia no Vale do Silício e era early adopter de Bitcoin.
Não deu outra, depois de algumas conversas consegui convencer o Luis a abrir uma exceção e ser meu orientador.
Não só fiz minha monografia sobre a Touts como tirei 10 — o que é impressionante dado que já contei aqui sobre o dia da minha apresentação do TCC.

O TCC sobre a Touts e a indústria de marketplaces de arte d
O Luis acabou tendo um papel ainda mais importante na minha vida alguns anos mais tarde — conto sobre isso mais pra frente.
Mas esse contexto todo é importante para entender a tempestade perfeita que se formava na minha vida.
A cereja do bolo foi a Touts ficar sem grana de vez. Precisávamos dar um jeito de pagar os aluguéis de Novembro de Dezembro dos shoppings e simplesmente não tinha de onde tirar o dinheiro.
Como já estava em cima, não tínhamos como captar com investidores ou fundos de investimento. Simplesmente não daria tempo.
O jeito foi usar nossos recebíveis como colateral para pegar empréstimos nos bancos. E foi isso o que fizemos.
Nunca fomos as pessoas mais inteligentes do mundo, mas disso a gente sabia: começar a se endividar é um caminho sem volta. E que juros dos bancos não são nem um pouco amigáveis no Brasil.
Pegamos essa grana preocupados, mas sabendo que se o fim de ano fosse bom a gente conseguiria pagar.
Além disso, ficamos de olho em outras linhas de crédito para cobrir os juros dos bancos.
Encontramos uma linha de crédito para capital de giro do governo do Estado com juros bem melhores.
O problema é que não conseguimos colocar nossos recebíveis como garantia. O jeito foi colocar minha mãe como fiadora desse empréstimo.
Recapitulando: eu estava endividado com a faculdade, numa pressão pra terminar logo, os quiosques estavam dando errado, as melhores pessoas que conseguimos trazer pro time estavam saindo frustradas e eu ainda tinha comprometido minha mãe nesse barco afundando.
Sabe o que aconteceu?
Eu dei tilt.
Não cheguei a ser clinicamente diagnosticado, mas tive um burnout com 25 anos de idade.
Olha, eu sempre fui muito cético e pragmático. Nunca dei muita bola pra essa coisa de saúde mental. No auge dos meus 20 anos então, menos ainda.
Provavelmente por isso não cheguei a identificar meu problema mais cedo, pedir ajuda ou receber um diagnóstico. Mas em retrospecto fica óbvio que foi um burnout.
O que aconteceu foi que eu comecei a ter uns picos de pressão alta repentinos. E isso foi descoberto completamente por acaso.

Alguma madrugada voltando de uma feira na casa dos pais do Arturo
Voltando de algum evento com a Kombi, chegamos na casa dos pais do Arturo a noite e eu comecei a sentir um mal estar generalizado.
Por sorte, o pai do Arturo que é cardiologista estava chegando em casa e vendo que eu estava mal resolveu tirar minha pressão. E a minha pressão estava altíssima!
Dali em diante, esses episódios foram acontecendo de maneira mais frequente e comecei a sentir tonturas e náusea em momentos aleatórios do dia.
Naturalmente fiquei super preocupado achando que tinha um problema no coração ou na cabeça.
Comecei a ir a vários médicos. Cheguei até a fazer um caderno de sintomas para tentar ajudar nos diagnósticos.
Fui em um dos melhores cardiologistas do Brasil, fui em oftalmologista, fui em clínico geral, fiz de tudo.
Cheguei até a fazer aquele exame que a pessoa fica 24h por dia com uma máquina presa no corpo tirando a pressão em vários horários do dia.
No fim, todos diziam a mesma coisa: sua saúde está ótima, mas você precisa mudar de estilo de vida.
Até entender que esse era meu problema, passei algumas das piores semanas da minha vida.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo comigo.
A empresa não estava num momento bom e eu simplesmente não conseguia trabalhar.
Pior que eu tentava, mas simplesmente não dava. Eu não conseguia ficar no computador ou prestar atenção.
Conforme os dias foram passando eu fui perdendo a vontade de fazer qualquer coisa e ficava na cama ou em casa sem fazer nada sob o pretexto de estar “descansando”.
É até difícil explicar o quão estranho e terrível é esse sentimento.
Aos poucos fui internalizando e entendendo que precisava mudar algumas coisas na minha vida.
A pausa, mesmo que forçada, me fez entender que o mundo continuaria existindo sem a minha presença.
Tudo que eu considerava urgente, que se eu não estivesse lá não aconteceria, aconteceu. De uma forma ou de outra.
Ironicamente, o que salvou esse cara cético e pragmático que vos fala foi uma forma de medicina sem nenhuma validação científica.
Eu estava tão desesperado que aceitei experimentar as coisas mais inimagináveis possíveis pra mim, dentre elas yoga e acupuntura.
A acupuntura foi sugestão da minha mãe, que tinha tido experiências transformadoras com a prática no passado.
A yoga não lembro de onde veio, mas tinham aulas na minha academia e comecei a fazer pra tirar a cabeça do buraco. Se até Steve Jobs recorreu a sabedoria ancestral indiana quando precisou de inspiração, quem era eu pra dizer que não funcionaria? E mais, que mal poderia fazer? Não é como seu eu estivesse super ocupado…
Nunca fui bom na yoga, mas tomei gosto pela meditação durante os Shavasana no fim das aulas — medito praticamente todos os dias por pelo 15 minutos desde então.
Com a pausa forçada inicial, as pausas forçadas subsequentes e muitos ajustes de estilo de vida, aos poucos fui voltando ao normal.
Fiz questão de trazer o lado mais sombrio da vida pessoal para mostrar que empreender é foda.
Muita gente fala que parece uma montanha russa, mas tem vezes que só parece a Tower of Terror mesmo…

Foto meramente ilustrativa consertando a privada do escritório
Por essas e outras que digo que não é para os fracos de coração. Mas como toda descida de montanha russa ou momentos ruins e bons da vida, uma hora passa.
E para saber como a Touts e eu saímos do outro dessa fossa, só lendo o próximo capítulo dessa história…