Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 9 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

Estávamos super felizes com tudo que tínhamos conseguido até então: tirar o negócio do zero, fazê-lo crescer pela segunda vez e montar um time alinhado e que confiávamos para chegar longe.
Quando o Flavinho voltou para o time, a sensação era de que a banda havia se reunido de volta. Sentíamos que poderíamos fazer qualquer coisa e queríamos aproveitar ao máximo o tempo dele conosco no Brasil.

Flavio indo pedir demissão do mercado financeiro pra trabalhar na Touts
O Flavio aprendeu a programar aplicações web de verdade na época da Vandal em Ruby on Rails. Lembro de quando ele chegou e ficava o dia todo lendo textos do DHH e compartilhando com a gente.
Acho que essa foi a época que mais aprendi sobre a cultura de trabalho da 37signals e me converti num fã desde então.
Muito da nossa forma de operar veio de lições e aprendizados compartilhados nos blogs e livros do Basecamp.
Outro pedaço de conteúdo importante e que nos influenciou muito foi um texto dos founders do Stickermule falando sobre como enxergavam o negócio a partir de uma simples equação:
Faturamento = Taxa de Conversão * Tráfego * Ticket Médio
Nós amamos esse conceito e usamos essa equação como uma bússola durante muitos trimestres trabalhando no produto. E foram inúmeras melhorias em muito pouco tempo com o Flavinho como CTO.
Desde recomendações de produtos nas páginas de compra, passando por implementação de bibliotecas de front para tornar o site responsivo a implementação de ferramentas internas para termos acesso a métricas.
Foi primordial ter alguém em tech que entendesse de negócios, o que nos permitiu nos espacializarmos minimamente como time. O resultado foi um crescimento cada vez mais acelerado.
Enquanto o site avançava, a frente offline da Touts estava a todo vapor e fazíamos mais feiras do que nunca.
Arturo e eu já não aguentávamos mais ficar carregando aquele trambolho daquela impressora e as dores nas costas que vinham de brinde.
Sempre que a gente ia para esses eventos e feiras, ficávamos morrendo de inveja do pessoal dos food-trucks. A gente se ferrava no dia anterior montando tudo e no último dia desmontando. Quem tinha um food-truck simplesmente parava o carro, puxava o freio de mão, plugava a eletricidade e em minutos estavam prontos para vender.
A gente ficava sonhando em conseguir fazer algo parecido para os estandes da Touts…
Eis que, do completo nada, recebemos a notícia que um amigo de um amigo estava vendendo uma Kombi 1968.
Na hora que nos mostraram a foto do carro achamos incrível, mas não demos muita bola.
Até que nos falaram o preço. “Meu deus! Por esse preço eu compro na pessoa física e revendo!”, foi o que o Arturo berrou.
A pessoa que estava vendendo tinha comprado a Kombi como objeto de marca de um empreendimento que deu errado e queria se desfazer logo do investimento.
Só que a Kombi era muito charmosa, ela estava totalmente reformada com os bancos de couro laranja, um bagageiro de madeira e a pintura exterior em preto e branco.
Foi amor a primeira vista.

A Kombi!
Na hora veio o lampejo da ideia de colocarmos a impressora de camisetas dentro da Kombi e montarmos uma fábrica móvel de camisetas.
Na mesma semana o Arturo foi lá tirar as medidas da Kombi e voltou pro escritório incrédulo. Tinha a largura certinha da impressora, com uma folga de uns 4cm! Era pra ser!
Foi uma das poucas vezes na vida que vi o Arturo ser mão aberta dessa forma. Ele comprou a Kombi na pessoa física para ser o “food truck” da Touts.
Pior que ele foi duplamente visionário, além de bolar o projeto todo da reforma da Kombi, anos mais tarde ele conseguiu vendê-la por quase quatro vezes o que pagou!
Depois de muito sonhar, começamos a transformação da Kombi para que ela se tornasse o “tee-truck”, nosso “food-truck de camisetas”.
Como tudo que fazíamos, foi um projeto bem criativo não só no design, mas também na execução.
Nossa inspiração foram Kombis que vendiam bebidas em feiras de rua no sudeste asiático.
Achamos várias fotos no Pinterest e sabíamos como queríamos que ficasse, com um recorte no teto que abrisse e coubesse uma pessoa em pé ali dentro.
A impressora ficaria de um lado, a prensa térmica do outro, apoiada em um móvel feito sob medida para comportar o estoque. Do lado de fora de uma das janelas laterais ficaria uma tela touch screen para os clientes escolherem os produtos.
Na nossa cabeça estava tudo certo, mas logo descobrimos que isso não era o suficiente. Nenhuma oficina queria pegar esse projeto.
Todo mundo dizia que seria muito arriscado, que mudaria a estrutura do carro e que daria problema. Uma das poucas que faria era a oficina do “Lata Velha”, programa do Luciano Huck, mas custava uma fortuna.
Como desistir não era uma opção, começamos a fuçar em lugares menos óbvios.
Até que a mãe do Arturo sugeriu conversarmos com um cara de uma oficina ali perto, na Vila da Penha.
Até hoje não sei se esse cara, o Cristiano, era muito bom ou muito inconsequente, ou os dois. Só sei que em pouco tempo ele tinha cortado o teto da Kombi e fez a reforma justamente como imaginamos. E o melhor de tudo, por um preço super em conta.

Cristiano super feliz que tinha conseguido cortar o teto sem destruir a Kombi
Surpreendentemente, deu certo!
A estreia da nossa Kombi foi em um evento de arte de rua no Leblon, na Rua Tubira. Depois disso e de algumas melhorias singelas no projeto, fizemos inúmeras feiras e aparições com o Tee-Truck.
Foram muitas Babilônia Feira Hype, Star Wars Day, Arte Rua, inauguração de loja, show no Circo Voador, palestra na UFRJ, evento corporativo e o que mais pintasse.
O Tee-truck era um sucesso, todos adoravam e chegamos até a sair no Globo com ele.
Mais importante do que tudo isso, a gente conseguia fazer todos esses eventos com muito menos dor de cabeça — e nas costas!

Kombi nos mais variados eventos
Nos sentíamos como as pessoas dos foodtrucks, era só parar a Kombi, abrir o teto e em minutos estávamos prontos pra começar a produzir as camisetas em qualquer lugar.
Claro que nem tudo são flores e passamos nossa cota de perrengues também com a Kombi.
Como da vez em que descobrimos no meio de uma curva que o freio não funcionava e a solução foi o terminar o trajeto usando o freio de mão. Ou do alagamento que pegamos em plena Av. Brasil às 4h da manhã. Ou das várias vezes que as calotas saiam nas curvas e tínhamos que saltar para catar no meio da rua.
Se for entrar nesse mérito de listar perrengues aqui vai dar pra encher uns dois capítulos só com isso. Mas pelo menos eram perrengues diferentes.
Se a gente já fazia sucesso nas feiras com o quiosque, a Kombi nos levou para outro patamar.

A vez que saímos no jornal por conta da Kombi
Construimos uma experiência ainda mais legal de compra offline com o Tee Truck.
Foi uma gambiarra muito sagaz, digna de Flavinho.
Como construir uma aplicação separada para rodar na Kombi seria muito trabalhoso, a solução foi criar um “user role” específico para ser usado no próprio site pelos clientes.
Esse usuário especial ficava logado na sessão aberta na tela da Kombi e quando um usuário finalizasse uma compra, o checkout era pulado e o pedido lançado em uma fila específica.
Dessa forma, os sistemas que usamos para a produção das camisetas eram os mesmos, não precisávamos ter uma aplicação separada e o catálogo do que vendíamos offline estava sempre atualizado, afinal de contas era o próprio site rodando em um navegador comum na Kombi. Só precisavamos ter wi-fi ou rotear nossos celulares para que funcionasse.
Em alguns meses, grande parte das nossas vendas e reconhecimento estavam vindo das feiras e eventos. Eram sempre os melhores dias de vendas.
Ficávamos imaginando o quanto poderíamos crescer se todo dia fosse como nos dias de eventos.
A conclusão lógica disso foi: “Vamos colocar a Kombi em um shopping!”.
A ideia parece boa, mas é claro que nenhum shopping deixaria isso acontecer.
Colocar um carro enorme e alto no corredor de um shopping cobriria a fachada das lojas e nenhum superintende deixaria isso acontecer — acredite, nós tentamos.
Para não falar nenhum, o único shopping que topou foi o Bossa Nova, no Santos Dumont, porque numa parte do shopping tem uma rua onde poderíamos estacionar.
Assim começou nossa busca interminável por tentar colocar o tee truck em um shopping e levar nossa experiência de compra offline para ainda mais gente.
Não demorou muito para realizarmos que não sabíamos nada de varejo. O que não era um problema, porque até então também não sabíamos nada de todo o resto que fazíamos e estávamos conseguindo algum sucesso.
A receita foi a mesma: estudar o máximo possível e tentar aprender com os erros dos outros, ouvindo de pessoas mais experientes.
Aqui preciso parar para introduzir mais um personagem incrível dessa jornada, Guilherme Lacerda.
O Lacerda foi um dos melhores amigos que fiz na faculdade, e que conheci trabalhando na Fluxo.
Nós nos identificamos por pensar de maneira parecida sobre vários assuntos e termos um senso de humor compatível. Também por levarmos o trabalho extremamente a sério, mas sem nos levar tão a sério no processo. E sobretudo pela vontade mútua de empreender. Lembra daquela história maluca de crowdsourcing de festas? Ele foi meu sócio nessa loucura.
O Guilherme, depois de sair da Fluxo, foi trabalhar na Endeavor e passou alguns anos lá ajudando empreendedores e fomentando o ecossistema empreendedor carioca.
Nós mantivemos contato e volta e meia conversávamos sobre como estavam as coisas.
Quando decidimos apostar na expansão offline da Touts, ele foi o primeiro nome que me veio a mente.
Marcamos um café da manhã e eu fui vender a ideia de que ele deveria ser a pessoa para tocar essa frente junto com a gente. Ele sempre foi muito mais sensato do que eu, e ponderou vários cenários antes de aceitar.
No fim, após tanto tempo apoiando outros empreendedores de perto, ele foi fisgado pela vontade de fazer acontecer por conta própria.
A promessa de autonomia e responsabilidade fazendo parte de um negócio com alto potencial de crescimento foi o que fizeram ele topar.

Lacerda despachando o primeiro caminhão que enchemos com pedidos
Tudo estava ótimo, apostaríamos na nossa expansão offline e já tínhamos a pessoa certa para a missão. Alguém esperto, que pensava como a gente e podíamos confiar.
Até que chegou a hora do Flavinho se mudar para Boston.
A preocupação era enorme, afinal de contas era 2016 e trabalho remoto não era algo tão popular quanto hoje. Mas deixo para contar mais detalhes sobre como lidamos com isso no próximo capítulo…