Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 8 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.

O primeiro ano da Touts estava indo muito bem. A empresa se estabilizou com a pouca grana que usamos para começar o negócio e ainda conseguíamos fazer reinvestimentos.
A essa altura já não fazíamos mais só camisetas, mas também capinhas de celular, posters e quadros também.

A linha de produtos da Touts
Inclusive a operação dos posters nos ensinou que sempre poderíamos ser mais enxutos. E olha que a gente já dava nó em pingo d’água no dia a dia pra fazer o negócio acontecer!
Quando começamos a Touts, tínhamos uma impressora de camisetas que custava o preço de um carro e todo um estoque de produtos.
Para começar a produzir posters e quadros, investimos cerca de R$2.000 em uma impressora e no estoque de papel de fine art, que era muito mais barato e fácil de armazenar que as camisetas.
Claro que existia todo um contexto para começarmos com as camisetas, e elas também tinham um apelo comercial muito maior.

Estação improvisada de impressão de posters
Mas começar a vender posters me fez lembrar que tudo pode ser mais simples e muitas vezes nós não conseguimos ou queremos enxergar isso por conta de nossos viéses.
Outro marco histórico dessa jornada até então foi a finalização da obra da nossa fábrica-escritório!
Comentei que acabamos ocupando o espaço da churrasqueira por muito mais meses do que o previsto.
Enquanto isso o Naná, o exército de um homem só em forma de pedreiro-eletricista-mestre-de-obras-faz-tudo mais engenhoso que já conheci na vida construía nosso espacinho ali do lado.

Exército de um homem só em ação
Aos poucos nosso tão sonhado escritório ia ficando pronto e Arturo já desenhava várias plantas de como seria o layout da fábrica com antecedência.
A ansiedade de ocupar o novo espaço era tanta que assim que o piso foi colocado já mudamos a nossa produção para lá.
O problema era que ainda estava sem ar-condicionado e o teto era direto na laje.
Não sei se você já teve a experiência de passar um dia de verão carioca dentro de uma casa com o telhado direto na laje. É insuportável! Juro, a sensação térmica devia ser de uns 55 graus! Não tinha ventilador que desse conta.
Novamente apesar dos perrengues, a gente estava super feliz que nossa fábrica tinha um espaço adequado e poderíamos montar algumas estações de trabalho ali para usar como escritório.
Uma de nossas maiores alegrias foi conseguir deixar o espaço de trabalho minimamente legal de uma maneira frugal. Colocamos alguns adesivos nas paredes com frases como “If not us, who? If not now, then when?”, “this is a bullshit free zone” ou “deixa suas desculpas aqui fora”. Compramos alguns barris de óleo e exaustores de calor no ferro-velho para usar como pés de mesa e luminárias – hoje em dia a luminária do meu quarto é assim. Os tampos eram compensados de MDF prensado.
A cereja do bolo, e provavelmente o objeto de decoração mais caro, foi um frigobar vermelho retrô da Brastemp que a gente adorava.

Algumas fotos de como ficou a obra
Com a fábrica pronta e a empresa fora do vermelho, voltamos a explorar uma avenida de crescimento que já conhecíamos: as vendas offline.
Já tínhamos participado de algumas edições da Babilônia Feira Hype com a Vandal, e foi fácil entrar em contato com os organizadores para alugarmos um estande no evento.
Nós sempre encaramos esses investimentos como crescimento. Nossa mentalidade era de que, no limite, se as vendas cobrissem o aluguel e não tivéssemos prejuízo, teria valido a pena. Teríamos adquirido novos clientes que passariam a conhecer a Touts através de uma experiência marcante.
Mas óbvio que nunca queríamos ficar no zero a zero. O jeito era, de novo, ser o mais econômico possível.
Nosso estande era um dos mais legais porque a experiência de compras era muito diferente.
Os clientes escolhiam uma estampa em nosso catálogo, que tinha centenas de artistas do mundo inteiro e artes das mais variadas, e nós produzíamos as camisetas ao vivo ali mesmo. A técnica de impressão que usavamos permitia imprimirmos em camisetas 100% algodão com uma qualidade fora de série. Era difícil alguém não se impressionar, seja pelos produtos ou pelo processo.
A forma como a gente fazia esses eventos era coisa de maluco.
Os eventos aconteciam aos finais de semana, então nós trabalhávamos a semana inteira para na sexta-feira no fim do dia levarmos as coisas para fazer a montagem a noite.
Para uma marca de roupas “normal” isso é trabalhoso, mas não é o fim do mundo. São só umas araras, parte do estoque e decoração.
Só que a gente inventava de querer ser diferente e imprimir camisetas na hora…
O que a gente fazia era alugar uma Fiorino, carregar impressora, a prensa térmica, os computadores, estoque, caixas e toda a decoração do estande e levar para a montagem na véspera.
Um detalhe importante que não mencionei antes, é que só a impressora de camisetas pesa 111kg!
Como controlávamos os custos na unha, óbvio que éramos nós mesmos que carregávamos e descarregávamos nossos tudo dos estandes em todos os eventos.
E no domingo à noite tínhamos que fazer o processo reverso: desmontar o estande, levar tudo para a fábrica, montar de volta no lugar para na segunda-feira estar pronto para produzir os pedidos do fim de semana.
Foram incontáveis perrengues carregando essa impressora por aí!
Nunca esqueço de uma vez que fizemos uma ação em uma loja no Shopping Leblon e na hora de desmontar a gente já tava tão cansado que achei que a gente não ia conseguir sair dali. Deu vontade de sentar no chão e chorar quando falaram que a gente não poderia usar o carrinho de carga pra levar a impressora, tivemos que carregar por um loooongo caminho até as docas.
O pior era que a impressora era literalmente o ativo mais caro da empresa, então tínhamos todo o cuidado possível com ela.
Uma piada que sempre fazíamos era que esses eventos eram o jeito mais idiota de falir uma empresa: “A gente coloca no mesmo carro todos os sócios e todos os bens da empresa. Se rolar alum acidente acaba com tudo de uma vez!” – pensando bem, era uma piada bem mórbida.

Uma das edições da Babilonia Feira Hype que participamos
Conforme fazíamos mais feiras e mais vendas, fomos sentindo a necessidade de trazer melhorias cada vez mais constantes ao nosso produto.
Foi aí que começamos a sentir as dores de não ter um time de tecnologia próprio.
Nossa parceria com a Moobile funcionou muito bem, melhor até do que eu esperava, sinceramente.
Conseguimos subir uma versão nova do site, adicionar novos produtos e atualizar uma boa parte da interface com a ajuda deles.
Mas quando queríamos pensar em estratégias de growth que envolvessem produto ou mudar alguma coisa no sistema de backoffice que envolvesse a produção, por exemplo, as coisas não andavam tão bem.
Um dos problemas desse formato de ter uma software house como sócia é que geralmente a dinâmica se torna de “resolvedor de tickets”.
No começo da Touts, todo mundo estava muito mais próximo e envolvido, mas com o passar do tempo nós éramos mais uma demanda em meio a outros clientes que eles atendiam.
No fim das contas, eles sempre resolviam tudo que pedíamos, e muito bem, mas precisávamos de alguém pensando como nós sobre desenvolvimento e produto.
Sabemos que isso não era um problema com a Moobile especificamente, mas sim uma necessidade nossa de ter um sócio técnico imerso no negócio.
Para nossa sorte e alegria, o Flavinho, que tinha saído da Vandal bem antes da gente para voltar ao mercado, estava um pouco frustrado com as experiências que teve.
O Flavio sempre foi um dos caras mais inteligentes que conheci, e com uma ética de trabalho sem igual. Ele é um trator, ultra pragmático, pensa sempre nos princípios fundamentais por trás dos problemas e é obstinado por resultados. O que ele pegar pra fazer, vai fazer bem. Por isso, não foi nenhuma surpresa que tenha mandado bem nos lugares que passou.
Só que ele percebeu rápido que mercado financeiro ou multinacionais de energia não tem a mesma adrenalina das startups. Fora que ele queria programar e construir produtos, enquanto nas empresas em que trabalhou o único código que escrevia eram fórmulas de Excel.
Para nós, era exatamente o que precisávamos: alguém que confiávamos para se dedicar exclusivamente a tecnologia.
A decisão de trazer o Flavinho como CTO foi uma das mais fáceis e mais acertadas que tomamos. Com ele a bordo, nós ganhamos muita velocidade no desenvolvimento e adicionamos uma capacidade chave que nos faltava.

Arturo e Flavinho em alguma comemoração remota
Fora que o trabalho se tornou ainda mais divertido no dia a dia.
Outro ponto positivo foi a pressão que isso nos trazia para crescer mais. Flavio tinha acabado de vir do mercado e tinha um senso de custo de oportunidade muito maior do que o nosso por arriscar receber menos e apostar no equity de uma startup.
Nesse ponto, a sensação era de que tínhamos juntado a banda de novo para uma nova turnê. Tipo uma reunião dos Beatles ou algo assim.
Parecia que dessa vez tínhamos tudo que precisávamos, o negócio estava minimamente validado, os clientes gostavam da gente, tínhamos todas as habilidades para fazer acontecer.
Só precisávamos crescer duas vezes por ano pelos próximos 5 anos, e isso era empolgante.
Não deu nem pra saborear esse sentimento direito até que recebemos a notícia de que o Flavinho se mudaria para fora do Brasil.
Era isso, a felicidade tinha durado pouco e teríamos mais um perrengue pra resolver! Mas isso é história para o próximo capítulo…