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[07/19] Sobre ser reconhecido pelo trabalho
Movido a pessoas incríveis, parte 7 de 19
Esse texto faz parte de uma série que revela a história não contada sobre como criei a maior plataforma de print on demand da América Latina sem saber nada do mercado, ter família rica ou levantado milhões de reais. Também é a história da minha vida e de como construí a Touts.
Fui influenciado pelo Eduardo Belotti e estou escrevendo essa história em partes, postando um capítulo por semana dessa aventura. Esse é o capítulo 7 de 19 - encontre os demais capítulos aqui.
Me deixei levar pela história do início da Touts e pulei algumas partes importantes da minha vida pessoal que andavam em paralelo.
Ainda em 2013 eu fiz o vestibular de inverno da PUC para administração. Na minha cabeça fazia sentido cursar administração se eu queria empreender para aprender contabilidade, finanças, estratégia e o básico de direito empresarial.
Eu sabia que o curso não era lá grande coisa, mas me permitiria estudar a noite e trabalhar o restante do dia. Eu também tinha uma crença de que na PUC os professores seriam pessoas de mercado que poderiam se tornar mentores para me ajudar a empreender.
Como era de se esperar, muitas das coisas que eu achava estavam erradas.
Eu adorei a faculdade de administração, conheci professores incríveis e fiz amigos para a vida. Não me arrependo nem um pouco de ter me formado na PUC. Voltarei a falar disso mais pra frente.
Meu maior problema era que até o fim da Vandal eu era um estagiário e ganhava uns mil e pouco reais por mês.
Além disso, a empresa que eu trabalhava havia implodido e eu tinha dito que assumiria todos os custos da minha faculdade. Eu precisava dar um jeito de pagar minha faculdade.
A PUC é uma instituição sem fins lucrativos e é conhecida por dar muitas bolsas de estudos. Como eu fiz o vestibular de inverno, só havia uma bolsa integral para o primeiro lugar. Eu já estava enferrujado de fazer esse tipo de prova e acabei ficando na terceira ou quarta colocação. Então essa opção de bolsa foi descartada.
Lembro que tentei vários formatos diferentes e nenhuma chegava perto do valor de desconto na mensalidade eu precisava pra conta fechar.
Me restou recorrer a um financiamento estudantil do governo. Parecia um começo de carreira promissor, uma empresa deu errado e antes de começar a segunda já estava me endividando!
Mesmo assim, meu salário de estagiário ainda era bem baixo e eu precisava de alguma forma de ganhar mais. Como literalmente toda minha energia estava dedicada a Touts, e eu ainda precisava fazer faculdade e viver nas horas vagas, não fazia sentido encontrar outra ocupação.
Me restava ganhar mais.
Na época, éramos só eu e Arturo, e eu havia acabado de ser promovido a “co-founder” da noite para o dia – só fui assumir esse título mesmo alguns anos depois.
Quando conversamos sobre o início da Touts, eu teria menos de 1% de equity, que poderia chegar a 5% em 4 anos.
Pra mim, que era estagiário uma semana antes, isso era o máximo!
Essa matemática era justificada por eu não poder investir nem um centavo no negócio e o Arturo estar investindo tudo o que tinha, que foi sua parte na venda da Vandal.
Eu não entendia muito sobre as dinâmicas de equity em startups e nem tinha muitas referências, então não me importava muito com isso.
Desde que fosse sócio de algo que tinha potencial de ser grande, eu estava feliz. E sabia que sempre poderia brigar por mais lá na frente
Meu problema mesmo naquele momento era o salário.
Já disse que nós éramos bem chatos com os gastos da empresa, né? Por isso, me lembro de ficar muito ansioso para ter uma conversa com o Arturo e pedir um aumento.
Esse momento foi extremamente marcante para mim. Fiquei planejando como seria essa conversa na minha cabeça por horas. Ensaiei quais seriam os argumentos, como poderia contra argumentar que faria sentido me pagar mais, mostrar meu valor e todas aquelas coisas.
Passei o dia todo buscando o melhor momento possível para puxar o assunto, que não acontecia nunca.
Por falta de alternativa tive que começar essa conversa quando estávamos no metrô voltando pra casa no fim do dia.
Sentamos em um dos vagões e comecei minha argumentação de que eu precisava ganhar mais e que fazia sentido pra empresa.
A reação do Arturo foi a única que não previ.
Ele topou na hora. Disse que ia só fazer umas contas para garantir, mas que daria um jeito. Se não me engano eu ganhava cerca de R$1.200 por mês e fiz o argumento para nós dois passarmos a ganhar a mesma coisa, R$3.500.
Foi um dos maiores aumentos que eu já tive na vida, de quase 3 vezes! Fiquei pensando que o Arturo era uma das pessoas mais generosas que já conheci, e isso me inspirou a também querer ser mais generoso no futuro.
Bom, meu problema da faculdade estava resolvido. Eu já estava devidamente endividado e podendo pagar o restante das mensalidades com meu próprio salário.
Não foi do jeito mais bonito, mas deu tudo certo.
Agora era “só” fazer a empresa dar certo que não tinha erro!
Talvez essa pressão de fazer o negócio dar certo tenha sido a motivação extra que nos fez ir além nos primeiros anos.
A gente se esforçou muito para construir a marca mais legal de todos os tempos, e demos muita atenção aos detalhes para replicar o sucesso que tínhamos aprendido no passado.
Nossa cultura sempre foi construída ao redor da felicidade e nós realmente nos importávamos em fazer todos ao nosso redor pelo menos um pouquinho mais felizes, de fornecedores e parceiros a clientes.
Além de mandar brindes inesperados e embalagens lindas e reutilizáveis, nos preocupamos, por exemplo, em desenvolver uma fragrância própria para borrifar nos pedidos e os produtos chegarem cheirosos na casa dos clientes.
Nosso atendimento era o melhor possível, e isso eu posso garantir por que até o início de 2019 eu mesmo fiz todos os atendimentos.
Inclusive o telefone no rodapé do site era meu número pessoal – sim, isso era maluquice, não recomendo.
Para os clientes, o atendimento era feito pela Matriz de Atendimento Encantador, M.A.E. encontrada em [email protected]. Um lembrete de sempre atendermos as pessoas como gostaríamos que atendessem nossas mães. E para quem estava desesperado, uma esperança de que a M.A.E. sempre resolvesse tudo.
Sempre fomos muito flexíveis em atender as demandas do clientes e tentar surpreendê-los positivamente. Internamente tínhamos um mote que dizia “quando dá merda é a hora de brilhar” e dávamos o máximo para reverter casos quando problemas aconteciam.
Um caso notório foi um pedido de uma pessoa que morava no Ceará e veio passar o fim de ano Rio de Janeiro com a família. Ela tinha comprado vários presentes de Natal com antecedência e o pedido foi extraviado duas vezes. O terceiro envio que fizemos sem cobrar nada não chegou a tempo e ela já tinha viajado para o Rio de mãos vazias. Para evitar a desfeita com os presentes, nós descobrimos o hotel onde ela estava ficando no Rio, produzimos pela quarta vez o pedido e entregamos na recepção no dia 23 de Dezembro. A pessoa que fez o pedido ficou em êxtase e não acreditou que alguém faria isso por ela.
Algumas semanas depois ela nos enviou as camisetas que chegaram no Ceará de volta com uma cartinha agradecendo e alguns bombons de cupuaçu. Em algum momento começamos a guardar cartinhas como essa no escritório e medir a quantidade de “wows” que causamos nos atendimentos.
O primeiro ano de operação da Touts foi muito bom. Demos nó em pingo d’água para fazer tudo que queríamos de um jeito bacana e conseguimos colher os resultados ao longo dos meses com o aumento das vendas.
No nosso primeiro Natal já estávamos quase chegando no número de vendas da empresa anterior e vendíamos cerca de 1.000 produtos por mês.
Foi um baita alívio saber que o negócio parava minimamente de pé!
Nada mal para dois moleques de 20 e poucos anos.
Mas sempre fomos mais ambiciosos do que isso e queríamos construir algo com potencial de ficar gigante. Não nos contentamos em fazer o negócio simplesmente pagar as contas, ele tinha que crescer.
Por isso, ficamos surpresos quando o pessoal da Reserva entrou em contato conosco para conversar sobre uma parceria ou aquisição.
Rony Meisler, fundador da marca, entrou em contato com o Arturo para conversarmos sobre uma possível parceria.
Só não foi uma surpresa maior, porque nos últimos vezes notamos que a pessoa que mais abria todas as nossas campanhas de newsletter era o próprio Rony.
Sabíamos também que essa “parceria” que ele se referia no fundo era uma ideia de investimento ou aquisição.
Ironicamente, e acho que nem contamos essa história nem pro pessoal da Reserva anos depois, a Reserva era nossa “inimiga declarada”.
Parte da nossa tese girava em torno da ideia das pessoas estarem acostumadas a roupas de marcas que não expressassem quem elas são. Brincávamos que a moda tinha se tornado ser um outdoor ambulante vestindo um animal como rinoceronte, cavalo, jacaré ou papagaio nas roupas.
Por outro lado, a Touts era uma forma de se expressar, de dar liberdade para as pessoas mostrarem quem elas eram através dos produtos que usavam.
Nós pegávamos tanto no pé da Reserva internamente, que tínhamos um poster no nosso escritório dizendo “Proibido animais silvestres” escrito em Futura Black, fonte icônica da marca. A cereja do bolo era um papagaio, que era um asset pré-disponível de graça no Photoshop, no lugar do Pica-pau da Reserva.
Outra zueira que fizemos com eles foi uma campanha de Primeiro de Abril onde demos várias dicas para nossos clientes de que a Touts havia sido comprada e faríamos uma queima de estoque por conta de um rebranding.
Não dizemos qual era a marca, mas usamos a mesma fonte, cores e identidade visual da Reserva. Fizemos todo mundo acreditar que isso ia rolar.
Compramos até o domínio titular.com.br e no dia primeiro, todos que entrassem no nosso site eram redirecionados para esse domínio com uma versão do site com uma logo criada por nós.
Parte do nosso primeiro de Abril com a identidade da Reserva
Enfim, quando a Reserva veio falar com a gente, claro que topamos conversar. Afinal de contas era sempre bom ter uma validação externa e, por mais que fizéssemos todas essas brincadeiras, era inegável a trajetória de sucesso da marca e sabíamos que tínhamos muito o que aprender com eles.
Conversamos bastante com o Pedro Cardoso, um dos líderes de novos negócios dentro da empresa. Lembro de que os papos foram sempre muito bacanas. Eles realmente entendiam o que estávamos fazendo e admiravam nossa raça pela forma que construimos o negócio.
Ficavam particularmente impressionados em como éramos eficientes na produção das camisetas e na operação do negócio como um todo. Em dado momento eles pediram pra gente os dados financeiros para darem uma olhada e me lembro de que não tínhamos nem base comparativa por só termos 10 meses de empresa.
Depois de algumas semanas conversando, eles chegaram em uma oferta para adquirir a Touts e nós nos tornarmos uma marca do grupo Reserva.
Não vou me lembrar exatamente o valor, mas era muito menos do que esperávamos. Nossa reação foi pensar que por tão pouco valia mais a pena arriscar por conta própria, afinal de contas estávamos apenas começando.
Cordialmente negamos a oferta, mas mantivemos a porta aberta para conversas futuras e assim começou um relacionamento que foi se oficializar quase 5 anos depois.
E mais uma vez, estava tudo ainda bem até que… Dessa vez não foi uma crise, mas precisávamos de mais agilidade no desenvolvimento e precisávamos encontrar um sócio técnico. Mas como resolvemos isso é uma história para o próximo capítulo.
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